Nossa autora de hoje chama-se Blanca Varela, ela nasce em Lima, capital do Peru, em 1926, e morre em sua terra natal, em 2009. Ela estudou Letras e Educação na Universidad Nacional Maior de São Marcos, uma universidade pública no distrito de Lima.
Em 1949, ela se estabelece em Paris e conheceu Octavio Paz, uma figura-chave em sua carreira literária. A partir de então, cresce sua amizade com Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Henri Michaux, Alberto Giacometti, entre outros.
Após sua longa estada em Paris, Varela vive em Florença e depois em Washington, onde se dedica a traduções e a trabalhos jornalísticos ocasionais. Ela edita seu primeiro livro, “Esse porto existe”, em 1959.
Em 1962, a autora retorna a Lima para se estabelecer definitivamente e, quando viaja, geralmente o faz em direção dos Estados Unidos, Espanha e França.
Atiande, em 1963, publica “Luz de dia” e, em 1971, “Valsas e outras confições”. O fato de algumas de suas obras terem sido traduzidas para o alemão, francês, inglês, italiano, português e russo, representa o reconhecimento de seu trabalho além das fronteiras de seu país natal.
Mais tarde, em 1978, Varela faz a primeira grande compilação de seus escritos, em “Canto Vilão”.
Em 2001, ganha o Prêmio Octavio Paz de Poesia e Ensaio em 2001, e ainda o Prêmio Cidade de Granada em 2006, e os Prêmios Ibero-americanos de Poesia García Lorca e de Rainha Sofía, em 2007.
Ao contrário de outros escritores, Blanca Varela não costumava dar entrevistas, e suas aparições públicas eram bastante raras e discretas.
Sua coletânea de obras editadas abrange mais de vinte textos, detre eles, “Esse porto existe”, “Luz de dia”, “Canto vilão” (com ‘Coletânea poética’), “Poesia escolhida”, “Onde tudo acaba, abra suas asas” (‘com ‘Coletânea poética’), “Poesia reunida”, “O livro de barro”, e «Valsas e outras falsas confidências».
Seus poemas encantam nosso pensamento, e por isso vamos buscar alguns deles que nos motivem poeticamente.
Primeiro, ‘Luz Corrente’: ‘a manhã é distinta / a cada manhã / às vezes são pássaros/ demasiado barulhentos / apressados / outras vezes é água / fina ou grossa / ilegível / outras / como pisadas / demasiado leves / egoístas’.
Segundo, de ‘Esse porto existe’: ‘Minha infância é nesta costa, / sob o céu tão alto, / céu como nenhum outro, céu, sombra rápida, / nuvens de espanto, / redemoinho escuro de asas, / casas azuis no horizonte. / Ao lado da grande habitação sem janelas, / ao lado das vacas cegas, / junto ao licor turvo e o pássaro carnívoro. / Oh, mar de todos os dias, / mar da montanha, / boca chuvosa da costa fria! / Ali eu destruo com pedras brilhantes / a casa dos meus pais, / ali destruo a gaiola dos passarinhos, / Abro as garrafas e sai uma fumaça negra / e tinge suavemente o ar e seus jardins. / Minhas horas estão junto ao rio seco, / entre a poeira e suas folhas pulsantes, / nos olhos ardentes desta terra / onde o mar lança seu dardo branco. / Uma única temporada, / com dedos pingando e hálito de peixe. / Uma longa noite inteira na areia. / Eu amo a costa, esse espelho morto /onde o ar gira como um louco, / aquela onda de fogo que arrasa corredores, /círculos de sombra e cristais perfeitos. / Aqui na costa eu escalo um poço negro, / Vou da noite à noite profunda, / Vou em direção ao vento que corre às cegas / pupilas luminosas e vazias, / ou habito o interior de uma fruta morta, / aquela seda sufocante, aquele espaço pesado / povoado de água e de corolas pálidas. / Nessa costa sou eu quem acorda / entre a folhagem de asas marrom, / aquela que ocupa aquele galho vazio, / aquela que não quer ver a noite. / Aqui na costa eu tenho raízes, / mãos imperfeitas, / uma cama em chamas onde choro sozinha.’
Terceiro, de ‘A luz do dia’: ‘Como brilham ao sol / as crianças não nascidas / O mês de janeiro é branco, / as ondas que visitam a ilha são pretas. / O ninho fica no alto, / em uma rocha segura. / Não será preciso ensiná-las como nascer ou como morrer. / Por que tais coisas seriam ensinadas? / A vida virá com entusiasmo e fragor. / Elas conhecerão o sol. / O mundo será essa claridão que nos perde; / os abismos de sal, a folhagem das esperanças sombrias, / o voo do solitário que busca a si mesmo. / Um círculo no ar para / pegar algo que foi perdido. / O sonho de ontem, / a imagem que escapa entre duas águas, / que se multiplica e se transforma / até não ser mais que a própria água, / o brilho ofuscante e instantâneo dos próprios desejos. / Um olhar perdido em si mesma / que retorna e percorre como um deserto familiar. / Sempre no centro. / Encruzilhada ou estrela, / explosão efêmera de plumas, / coração inquieto alentando todos os ventos. / Como brilham ao sol as crianças ainda não nascidas! / Que tipo de sonho elas trarão? / Primeira estrela destruída, / primeira dor, / primeiro grito. / Golpe contra tudo, contra si mesmas. / Fazer a luz mesmo que custe a noite, / mesmo que o céu swe abra para a morte / e o oceano não seja mais que um abismo criado às cegas. / A própria voz respondendo com o fracasso de cada onda.’
Quarto, para terminar, trechos de ‘Valsas e outras falsas confidências’: ‘um poema / como uma grande batalha / me arremessa nesta arena / sem outro inimigo além de mim / EU e o grande ar das palavras / a nuvem mente / a luz mente / os olhos / os habituais enganados / Eles não se cansam de tantas histórias / […] / Penso em asas de fogo na música / mas não / Não é disso que tenho medo / mas sim o julgamento severo da luz’.
Concluimos para dizer o que Blanca Varela nos ofereceu : “a poesia já não é uma dama burguesa”, e “Não se elege a poesia, é um destino. Vimos ao mundo com essa formação ou deformação: a necessidade da poesia… Uns aos outros nos alimentamos… Nunca me senti um poeta profissional. A poesia é algo que tenho levado com muita discrição, como meu outro eu.”