Efemérides são aniversários de acontecimentos que queremos celebrar como marcas ou marcos do tempo que influenciaram as nossas vidas, o nosso destino, ou a ordem e o ritmo da história dos homens, num espaço e na época em que lhes coube viver.
O dia 20 de Novembro foi institucionalizado como Dia Internacional dos Direitos da Criança ou Dia Universal da Infância.
É uma data para nos recordar que uma criança não é somente um ser frágil que necessita de protecção, mas também uma pessoa que tem o direito à educação, cuidados e carinho, onde quer que tenha nascido.
Nada acontece por puro acaso, tudo é consequência de ideias ou ideais que, a seu tempo foram objectivados, concretizados em acções com consequentes reacções.
Enquanto assim refletia e procurava eleger uma data ou efeméride neste Novembro do ano da graça de 2024, eis que uma amiga se recorda dum facto ocorrido há algumas dezenas de anos, o qual não sendo uma das datas eleitas pelas grandes organizações mundiais existentes nesta Europa ávida de protagonismo e esquecendo o que de melhor fez dela, um exemplo de virtudes e valores, provocou em mim um verdadeiro abalo telúrico de emoções, tristes recordações, tanto mais que algumas situações de violentos destinos dados e provocados às crianças, vão proliferando aqui e ali, maquilhados e rotulados com outras “nuances”, mas nem por isso menos horrendos.
Irena Sendler, polaca, nasceu em Varsóvia a 15 de Fevereiro de 1910. Quando a Alemanha Nazi invadiu o país em 1939, Irena era assistente social no Departamento de Bem Estar Social de Varsóvia, trabalhava com enfermeiras e organizava espaços de refeição comunitários da cidade com o objectivo de responder às necessidades das pessoas que mais necessitavam. Graças a ela, esses locais não só proporcionavam comida para órfãos, anciãos e pobres como lhes entregavam roupas, medicamentos e dinheiro. Ali trabalhou incansavelmente para aliviar o sofrimento de milhares de pessoas, tanto judias como católicas.
Em 1942, os nazis criaram um gueto em Varsóvia, e Irena horrorizada com as condições em que ali se sobrevivia, uniu-se ao Conselho para a Ajuda aos Judeus, Zegota.
Irena vivia aqueles tempos de guerra pensando nos tempos de paz e por isso não se limitava só a manter com vida as crianças, queria que elas um dia pudessem recuperar os seus verdadeiros nomes, as suas identidades, as suas histórias pessoais e as suas famílias.
“A razão pela qual resgatei as crianças tem origem no meu lar, na minha infância. Fui educada na crença de que uma pessoa necessitada deve ser ajudada com o coração, sem importar a sua religião ou nacionalidade”.
Concebeu então um arquivo no qual registou todos os nomes e dados das crianças e as suas novas identidades. Quando Irena caminhava pelas ruas do gueto, levava uma braçadeira com a estrela de David, como sinal de solidariedade e para não chamar a atenção sobre si própria. Pôs-se rápidamente em contacto com famílias, a quem propôs levar os seus filhos para fora do gueto, mas não lhes podia dar garantias de êxito. Eram momentos extremamente difíceis, quando devia convencer os pais a que lhe entregassem os seus filhos e eles lhe perguntavam:
“Podes prometer-me que o meu filho viverá?”. “O que poderia prometer, quando nem sequer sabia se conseguiriam sair do gueto.” A única certeza era a de que as crianças morreriam se permanecessem lá. Muitas mães e avós eram reticentes na entrega das crianças, algo absolutamente compreensível, mas que viria a se tornar fatal para elas. Algumas vezes, quando Irena ou as suas companheiras voltavam a visitar as famílias para tentar fazê-las mudar de opinião, verificavam que todos tinham sido levados para os campos da morte.
Ao longo de um ano e meio, até à evacuação do gueto no Verão de 1942, conseguiu resgatar mais de 2 500 crianças por várias vias: começou a recolhê-las em ambulâncias como vítimas de tifo, mas logo se valia de todo o tipo de subterfúgios que servissem para os esconder: sacos, cestos de lixo, caixas de ferramentas, carregamentos de mercadorias, sacos de batatas, caixões… nas suas mãos qualquer elemento se transformava numa via de fuga.
Os nazis souberam dessas atividades e em 20 de Outubro de 1943; Irena Sendler foi presa pela Gestapo e levada para a prisão de Pawiak onde foi brutalmente torturada. Num colchão de palha encontrou uma pequena estampa de Jesus Misericordioso com a inscrição: “Jesus, em Vós confio”, e conservou-a consigo até 1979, quando a ofereceu ao Papa João Paulo II.
Ela, a única que sabia os nomes e moradas das famílias que albergavam crianças judias, suportou a tortura e negou-se a trair seus colaboradores ou as crianças ocultas. Foi condenada à morte. Enquanto esperava pela execução, um soldado alemão levou-a para um “interrogatório adicional”. Ao sair, gritou-lhe em polaco “Corra!”. No dia seguinte Irena encontrou o seu nome na lista de polacos executados. Os membros da Żegota tinham conseguido deter a execução de Irena subornando os alemães, e Irena continuou a trabalhar com uma identidade falsa.
Em 1944, durante a revolta de Varsóvia, colocou as suas listas em dois frascos de vidro e enterrou-os no jardim de uma vizinha para se assegurar de que chegariam às mãos indicadas se ela morresse. Ao acabar a guerra, Irena desenterrou-os e entregou as notas ao doutor Adolfo Berman, o primeiro presidente do comité de salvação dos judeus sobreviventes. Lamentavelmente, a maior parte das famílias das crianças tinha sido morta nos campos de extermínio nazis.
As crianças só conheciam Irena pelo seu nome de código “Jolanta”. Mas anos depois, quando a sua fotografia saiu num jornal depois de ser premiada pelas suas acções humanitárias durante a guerra, um homem telefonou-lhe e dizendo: “Lembro-me de seu rosto. Foi você quem me tirou do gueto”. E foi assim que começou a receber muitas chamadas e reconhecimentos públicos.
Em 1965, a organização Yad Vashem de Jerusalém outorgou-lhe o título de Justa entre as Nações e nomeou-a cidadã honorária de Israel.
Em Novembro de 2003 o presidente da República Aleksander Kwaśniewski, concedeu-lhe a mais alta distinção civil da Polónia: a Ordem da Águia Branca. Irena foi acompanhada pelos seus familiares e por Elżbieta Ficowska, uma das crianças que salvou, que recordava como “a menina da colher de prata”.
Em 2007, Irena Sendler foi apresentada como candidata para o prémio Nobel da Paz pelo governo polaco. Esta iniciativa pertenceu ao presidente Lech Kaczyński e contou com o apoio oficial do Estado de Israel através do primeiro-ministro Ehud Olmert, e da Organização de Sobreviventes do Holocausto residentes em Israel.
As autoridades de Oświęcim (onde ficavam os campos de concentração de Auschwitz) expressaram o seu apoio a esta candidatura, já que consideraram que Irena Sendler era um dos últimos heróis vivos da sua geração, e que tinha demonstrado uma força, uma convicção e um valor extraordinários face a um mal até então inimaginável.
O prémio Nobel da Paz, no entanto, foi dado a Al Gore pela sua defesa do meio-ambiente …
A mãe das crianças do Holocausto, Irena Sendler, morreu num hospital de Varsóvia, a 12 de Maio de 2008, com 98 anos, devido a uma pneumonia. Foi sepultada no cemitério Powązki.