Cecília Meireles é uma poeta do Brasil, pois combateu a palavra poetisa por causa da discriminação de gênero que apenas disseminava outras artistas, “como se houvesse caminhos distintos para um poeta”. Ela nasceu em novembro de 1901, na cidade do Rio de Janeiro; foi órfã de pai e mãe e foi criada pela avó materna.
Em 1917, começou a trabalhar como professora primária na Escola Normal do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, onde também estudou canto e violino, e mais adiante, de 1936 a 1938, foi professora da Universidade do Distrito Federal. Recebeu o Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras, em 1938, e o Prêmio Machado de Assis, postumamente, em 1965, pois Cecília faleceu em novembro de 1964.
A autora fez parte da segunda geração do modernismo brasileiro, com livros marcados pela melancolia, sensorialidade e reflexão sobre o mundo contemporâneo, obras que trabalham temas como o amor, a solidão, o tempo, a eternidade, a saudade, o sofrimento, a religião e a morte; sua obra mais conhecida – seu Magnum opus – é o Romanceiro da Inconfidência, de 1953.
Correspondendo à regularidade do tempo, sabemos que seu primeiro livro – Espectros – foi escrito quando a poeta tinha 16 anos de idade e publicado em 1919. Três anos depois, ela se casou com o artista plástico Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas; porém, o casal acabou passando por muitas dificuldades financeiras e assim, além de seu trabalho como professora, a escritora escreveu artigos sobre educação para o Diário de Notícias, de 1930 a 1933.
A aproximação da autora com o movimento modernista ocorreu em 1927, por meio de revistas católicas, e já em 1934, Cecília criou a primeira biblioteca infantil do país, no Rio de Janeiro. Nesse ano, viajou para Portugal para dar palestras em universidades, e de 1936 a 1938, a escritora trabalhou como professora de Literatura Luso-Brasileira, também como Técnica e Crítica Literária na Universidade do Distrito Federal.
Em 1940, Cecília casou-se com o médico Heitor Grilo, ano em que o casal viajou para os Estados Unidos e a autora deu um curso de Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas, em Austin. Em seguida, participou de conferências sobre literatura, folclore e educação no México; no ano seguinte, além de escrever para A Manhã, dirigiu a revista Travel in Brazil (Viagem no Brasil), do Departamento de Imprensa e Propaganda.
Mais tarde, em 1944, escreveu para a Folha Carioca e o Correio Paulistano. Cecília Meireles aposentou-se como diretora de escola em 1951; dois anos depois, foi convidada por Nehru, o primeiro-ministro da Índia, para fazer parte de um simpósio sobre a obra de Gandhi; nesse mesmo ano, ela também escreveu para O Estado de S. Paulo, e já em 1958, foi convidada para participar de conferências em Israel.
Em 1961, escreveu crônicas para o programa Quadrante, da Rádio Ministério da Educação e Cultura, e igualmente para o programa Vozes da Cidade, da Rádio Roquette-Pinto, em 1963. Características literárias de Cecília Meireles: crise existencial / conflito espiritual / temática sociopolítica / reflexão sobre o mundo contemporâneo / liberdade formal, com o uso de versos: alguns regulares, com métrica e rima, outros brancos, com métrica, mas sem rima, e ainda livres, sem rima e sem métrica. No total, aproximadamente uma centena de textos formam a obra de Cecília Meireles.
Como vimos, Romanceiro da Inconfidência é considerada a principal obra da autora e se configura em um longo poema narrativo e histórico, pois fala da Inconfidência Mineira e seus personagens, além de mostrar fatos e tipos precedentes; o poema é dividido em 85 romances, escritos em versos regulares, isto é, com metrificação e rimas (a imensidão desse romanceiro será devido e oportunamente trabalhado por nós).
Por hoje, vamos tratar de alguns poemas de Cecília. Poema nº um: “Retrato”: ‘Eu não tinha este rosto de hoje, / assim calmo, assim triste, assim magro, / nem estes olhos tão vazios, / nem o lábio tão amargo. / Eu não tinha estas mãos sem força, / tão paradas e frias e mortas, / eu não tinha este coração / que nem se mostra. / Eu não dei por esta mudança, / tão simples, tão certa e fácil: / – Em que espelho ficou perdida / a minha face?’ A expressão “mãos sem força”, que aparece no primeiro verso da segunda estrofe, indica um lado fragilizado e impotente diante de sua postura existencial; as palavras mais sugerem do que escrevem; enfim o tema revela uma busca da percepção de si mesmo: antes de um simples retrato, o que se mostra é um autorretrato, por meio do qual olha-se no presente, comparando-se com aquilo que foi no passado.
Poema nº2: “Encomenda”: ‘Desejo uma fotografia / como esta – o senhor vê? – como esta: / em que para sempre me ria / com um vestido de eterna festa. / Como tenho a testa sombria, / derrame luz na minha testa. / Deixe esta ruga, que me empresta / um certo ar de sabedoria. / Não meta fundos de floresta / nem de arbitrária fantasia… / Não… Neste espaço que ainda resta, / ponha uma cadeira vazia.’ Já no poema “Encomenda”, do livro ‘Vaga música’, a autora demonstra seu desejo de eternizar um momento; para isso, ela encomenda uma fotografia, na qual ela está rindo, usa um vestido de festa, e seu rosto está iluminado e com ‘ar de sabedoria’; em companhia do leitor, será eternizada uma cadeira vazia, que pode sugerir a ausência de alguém.’
Poema nº3: “Reinvenção”: ‘A vida só é possível / reinventada. / Anda o sol pelas campinas / e passeia a mão / dourada / pelas águas, pelas folhas… Ah! tudo bolhas / que vêm de fundas piscinas / de ilusionismo … – mais nada. / Mas a vida, a vida , a vida / a vida só é possível / reinventada. (…)’ Podemos dizer que, nesse trecho de um poema de Cecília Meireles, encontramos traços de seu estilo: a poeta faz uso de elementos como a musicalidade, assim como uma postura que compreende a efemeridade da vida, traços predominantes do simbolismo (análise do momento exterior que se opõe à poesia, e a valorização do subconsciente).
Poema nº4: “Canção”; ‘Pus o meu sonho num navio / e o navio em cima do mar; / depois, abri o mar com as mãos, / para o meu sonho naufragar / Minhas mãos ainda estão molhadas / do azul das ondas entreabertas, / e a cor que escorre de meus dedos / colore as areias desertas. / O vento vem vindo de longe, / a noite se curva de frio; / debaixo da água vai morrendo / meu sonho, dentro de um navio… / Chorarei quanto for preciso, / para fazer com que o mar cresça, / e o meu navio chegue ao fundo / e o meu sonho desapareça. / Depois, tudo estará perfeito; / praia lisa, águas ordenadas, / meus olhos secos como pedras / e as minhas duas mãos quebradas.’
Uma das características de Cecília Meireles é o rigor vocabular, sobretudo para expressar através dele a musicalidade muito comum nos poemas simbolistas; o uso de elementos da natureza também colabora para a noção de transitoriedade da vida presente nos versos da autora.
Terminamos nosso modesto texto com a inigualável tradução realizada por “nossa” poeta; trata-se de um poema de Li Po, poeta chinês (701-762) – traduzido por Cecília Meireles, “Com a taça na mão, interrogo a lua”: ‘A lua está no céu sombrio. Quando chegou? / Pouso a minha taça, para fazer-lhe essa pergunta. / Os que querem apanhar a lua não o podem conseguir. / No entanto, no seu curso, a lua acompanha os homens. / É deslumbrante como um espelho voador, diante do / Pavilhão vermelho. / As brumas azuis se extinguem e desaparecem / e seu puro esplendor cintila. / Vemo-la somente à noite subir do mar e perder-se / nas nuvens. / Os homens de hoje não veem mais a lua de outrora. / A lua de hoje iluminava os homens do passado. / Os homens do passado, homens de hoje – torrente que flui – / todos contemplam a lua, que a todos parece a mesma. / Tudo o que desejo é que, à hora de cantar e beber, / o luar se reflita sempre no fundo da taça de ouro.’
Como vimos, o poema é de autoria de um dos maiores poetas chineses do século VIII, mas a “suave” tradução de Cecília permite que se possa aproveitar da sabedoria longínqua e sensível em nossa atualidade. Aproveitemos, pois nem sempre o tempo nos favorece!