Foto postada no “X” (https://twitter.com/Ricardo_1934/status/1817340886507831314)
Geralda era tão simpática quanto pouco instruída. Camareira do andar em que residia na Casa do Estudante, certo dia entrou no quarto que dividia com Waldir Kleber, hoje médico, e nos falou do grande evento mundial que estava para começar décadas atrás: as Elimpie. Demorei alguns segundos para identificar ao que se referia.
Dias atrás tiveram início os jogos olímpicos na capital francesa, com escândalo e mau gosto. As imagens do grupo heavy metal Gojira fazendo barulho – com infeliz pretensão musical, diante da Conciergerie, prédio no qual Maria Antonieta foi aprisionada,- foi um espetáculo para esquecer. Mulheres decapitadas, postadas em várias janelas, embalavam suas cabeças na linha da cintura enquanto efeitos especiais simulavam a aspersão de sangue.
Havia em Embu das Artes, município próximo da capital paulista, um ateliê do artista Jozan (https://www.facebook.com/photo/?fbid=180334325347032&set=pb.100067481294295.-2207520000&locale=pt_BR). Suas telas impactam, sobretudo as que retratam a decadência em templos religiosos, com interior apocalíptico, escatológico, denotando desorientação, sugerindo a perda da fé, a miséria espiritual a que pode chegar a humanidade. Não há nelas, porém, nenhuma sugestão dionisíaca, antes sugerem confusão. A maior das confusões, talvez, a perda de rumo, a barafunda de quem não tem ou perdeu a fé.
No cinema, quando a intenção é denotar decadência, ruína, perda, os tons cinza-escuros são utilizados para chocar ou causar desconforto ao espectador. Porque a desordem desencanta, como uma ameaça sobre nossas cabeças. Porque intuímos que a ruína está sempre a nos rondar, o melancólico mantem-se à espreita, como um gole amargo que podemos tomar num momento infeliz.
O mau gosto da representação diante da Conciergerie seria superado pela alusão à Santa Ceia. Pobre França. Dias depois um apagão sem precedentes tomou conta de Paris, mergulhando a cidade das luzes na escuridão. Exceto Sacre Coeur, em Montmartre, no ponto mais alto da cidade. Construída como penitência dos excessos da Comuna de Paris, me faz evocar um trecho de “A Comuna de Paris e a noção de Estado”, de Bakunin:
“Paris, que inaugura a nova era, aquela da emancipação definitiva e completa das massas populares e de sua solidariedade de agora em diante completamente real, através e apesar das fronteiras dos Estados; Paris, que mata o patriotismo e funda sobre suas ruínas a religião da humanidade; Paris, que se proclama humanitária e atéia e substitui as ficções divinas pelas grandes realidades da vida social e a fé na ciência; as mentiras e as iniqüidades da moral religiosa, política e jurídica pelos princípios da liberdade, da justiça, da igualdade e da fraternidade, estes fundamentos eternos de toda moral humana; Paris heróica, racional e crente, que confirma sua fé enérgica nos destinos da humanidade por sua queda gloriosa, por sua morte, e que a transmite muito mais enérgica e viva às gerações vindouras; Paris, inundada no sangue de seus filhos mais generosos, é a humanidade crucificada pela reação internacional coligada da Europa, sob a inspiração imediata de todas as igrejas cristãs e do grande sacerdote da iniqüidade, o Papa; mas a próxima revolução internacional e solidária dos povos será a ressurreição de Paris”.
Bakunin, anarquista russo, já participara da revolução de 1848 e suas palavras simplesmente ecoam os ideais da revolução francesa.
Para que não reste dúvida acerca dos ataques à Igreja, segue abaixo o final do texto de Bakunin:
“Não cabe à Igreja a missão de perverter as jovens gerações, as mulheres acima de tudo? Não é ela que por seus dogmas, suas mentiras, sua estupidez e sua ignomínia tende a matar o pensamento lógico e a ciência? Por acaso não afeta a dignidade do homem, pervertendo nele a noção dos direitos e da justiça? Não transforma em cadáver o que é vivo? Não corrompe a liberdade? Não é ela que prega a escravidão eterna das massas em benefício dos tiranos e dos exploradores? Não é ela, essa implacável Igreja, que tende a perpetuar o reinado das trevas, da ignorância, da miséria e do crime? Se o progresso de nosso século não é um sonho enganoso, deve terminar com a Igreja…”
A iluminação da Basílica do Sagrado Coração de Jesus em meio à escuridão de Paris – depois da blasfêmia na abertura dos jogos, com a inversão de símbolos religiosos, típica de missas negras,- pode ser despida de significado espiritual?
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Ontem nossa caçula tomou a Primeira Comunhão. Seu olhar para a chama da vela que empunhava durante a cerimônia trouxe a seus pais a serenidade da semente plantada em solo longamente amanhado. Que Deus a proteja por todo o sempre.
Na liturgia da celebração, a segunda leitura não poderia ser mais apropriada:
“Irmãos, eis, pois, o que eu digo e atesto no Senhor: não continueis a viver como vivem os pagãos, cuja inteligência os leva para o nada. Quanto a vós, não é assim que aprendestes de Cristo, se ao menos foi bem ele que ouvistes falar e se é ele que vos foi ensinado, em conformidade com a verdade que está em Jesus. Renunciando à vossa existência passada, despojai-vos do homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras, e renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade. Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade”. (Efésios 4,17.20-24)
Correndo o risco de ser entendido como maluco – para o qual depois de quase sete décadas de existência não dou a mínima,- tenho repetido a amigos e familiares: é tempo de conversão.
Temos dedicado muita atenção às questões ideológicas, a figuras políticas, todavia o embate está no plano espiritual e a vitória só pode ser transcendente.
A decadência francesa é um alerta tardio. A blasfêmia num evento de alcance planetário é a senha de que as coisas haverão de piorar. E muito.
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Na obra “Sal da Terra” Peter Seewald provoca Bento XVI: “O fato de que exista um Deus, que ele tenha um Filho que tenha sido enviado para redimir a humanidade, agora parece para muitos o anúncio feito por um doido varrido”.
Bento responde que “é algo positivo que a Igreja Católica seja skandalon, ao se opor a uma nova ideologia mundial que parece se formar e ao defender os valores originários do ser humano em face de tal ideologia unitária, na qual eles não podem ser incorporados”.
Meus caros, é tempo de conversão.