Algumas pessoas têm um pesadelo recorrente: o avião em que viajam sofre um acidente de tal gravidade que ninguém sobreviverá. Quando penso em riscos de morte sob tais circunstâncias lembro sempre do personagem de Guimarães Rosa: “Viver (…) é muito perigoso. (…) Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo. (…) Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e se abaixa”.
Também lembro de São Francisco de Assis, que tratava a morte como irmã. Como não se prendeu a nada, celebrou sua morte como um ritual de passagem para o Paraíso. Ao vencer a si mesmo, Francisco removeu o trágico de seus instantes finais. Pudera tivéssemos a mesma fé, a mesma grandeza, mas ainda assim seu exemplo é um maiúsculo convite.
—————- x —————–
Em 2007 um Airbus A320 da companhia aérea TAM, que decolara em Porto Alegre, não conseguiu aterrissar no aeroporto de maior tráfego aéreo do país, em São Paulo. Ao tentar arremeter atravessou uma avenida e chocou-se num prédio da própria companhia. O saldo de 187 mortos na aeronave e 12 mortos no solo transformou o evento no maior acidente da aviação comercial brasileira.
Desde então os fabricantes promoveram melhorias tecnológicas e maior atenção foi dada à infraestrutura aeroportuária do país e ao treinamento das tripulações. Mas como “Viver (…) é muito perigoso”, é saudável que, antes de tudo, confiemos na Providência e tentemos nos aproximar de São Francisco, lembrando que por mais que a tecnologia avance, há sempre melhorias a implementar e o fator humano sempre estará presente.
—————- x —————–
Quis a vida que uma nova tragédia aérea assombrasse o Brasil. Uma aeronave de fabricação francesa decolara de Cascavel, com destino ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Cumprida a maior parte do trajeto a aeronave perdeu sustentação e, à guisa de uma folha seca, rodopiou até chocar-se no solo em um condomínio residencial.
Não houve sobreviventes. Milagrosamente ninguém no solo perdeu a vida, a despeito do impacto e da explosão numa região densa. Desde o triste acidente os veículos de comunicação cobrem o evento, com detalhes efetivamente de utilidade pública, mas com um certo exagero, em minha opinião, na busca de audiência. Trata-se de um fenômeno deplorável: notícia ruim gera mais interesse que notícia boa.
Decorridos poucos dias especula-se agora a(s) causa(s) do acidente. Já escutei que em geral tais acidentes não têm causa única. Como a aeronave cruzou uma zona congelante, uma das hipóteses é que o gelo tenha afetado seu controle. Outra hipótese seria algum dano estrutural, porquanto o avião sofrera um impacto na parte traseira meses antes. Uma terceira possibilidade seria um problema no ar condicionado …
Sempre resta a possibilidade de erro humano como, por exemplo, o de não alterar a rota para evadir-se da região congelante. Há muitas implicações legais e a especulação deve ser prudente e respeitosa. As caixas pretas já foram recolhidas, mas não se sabe se o seu conteúdo é recuperável e se poderá elucidar a(s) causa(s) do acidente. O certo é que tão logo o impacto arrefeça, as discussões jurídicas iniciarão, sob o protagonismo das indispensáveis indenizações.
Seja como for, no Brasil existe um órgão para análise técnica de acidentes aéreos, o CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos). Órgão da Força Aérea Brasileira, tem competência para a tarefa. Seu relatório, porém, pode demandar semanas, ou meses. Até lá, que as especulações deixem de aguilhoar o luto dos parentes e amigos das vítimas.
—————- x —————–
Alguns passageiros perderam o fatídico vôo, por atraso ou mesmo premonição. A imprensa procurou entrevistá-los. Por certo que é um momento ímpar, havemos de entender. É como se ao se agacharem para atar o cadarço do calçado escapassem da foice da morte. Ainda impactados, realçam mais o fato de que não morreram do que demonstram pesar pelos que se foram. Não é exatamente uma manifestação compassiva. A mim soa como escutar a lista de mortos numa guerra e celebrar que o parente não consta da lista diante de uma mãe que acaba de saber que perdeu o seu filho.
—————- x —————–
Horas atrás recolhi uma plumagem liberada por uma de nossas paineiras. Um pequeno tufo algodoado, com uma semente, qual passageira de um vôo. Semente que caiu à procura de solo fértil.
A dor é um mistério, já o afirmara São João Paulo II. A morte também.
Que Deus tenha compaixão dos que perderam a vida de forma tão triste. Que também tenha compaixão de nós, que em dias incertos cairemos todos na eternidade.