Nossa poeta de hoje tem mais de cem anos de idade. Esta é Ida Vitale, poeta, ensaísta, professora, crítica literária e tradutora, ela nasceu em Montevidéu, Uruguai, em novembro de 1923.
De 1973 a 1985, emigrou no México e depois viveu nos Estados Unidos, em Austin, e voltando à sua terra natal apenas em 2016; atualmente, vive no Uruguai.
A autora é a última representante viva da famosa “geração uruguaia de 45”, o fenómeno social, político e cultural que teve una influência determinante na identidade intelectual contemporânea de seu país de origem.
Ida é considerada uma das maiores poetas da América Latina, tendo recebido todos os prêmios literários mais importantes de língua espanhola: o Prêmio Internacional Octavio Paz de Poesia e Ensaio (2009) – que lhe abriu as portas do mundo editorial e literário mexicano, depois, recebeu o Prêmio Internacional Alfonso Reyes (2014), o Prêmio Rainha Sofía de Poesia Ibero-americana (2015), o Prêmio Internacional de Poesia Federico Garcia Lorca (2016), o Prêmio Max Jacob (2017), e o Prêmio Cervantes (2018), entre outros.
Em 2010, a Universidade da República de Montevidéu a nomeou Doutora Honoris Causa. Também admiradora da poesia brasileira, Vitale escreveu ensaios sobre Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Em 2021, o México concedeu à poeta o prêmio de Labor Intelectual, por ela exercido em toda sua vida ativa, e afinal, em 2023, realizam um Documentário sobre Ida Vitale, como uma celebração consagradora.
Passamos a “aproveitar” o que nos dizem as palavras poéticas da autora; o primeiro poema que destaco tem o título de “Gotas”. “Gotas se ferem e se fundem? / Acabam de deixar de ser a chuva. / Travessas no recreio, / gatinhos de um reino transparente, / correm livres por vidros e corrimãos, / umbrais do seu limbo, / se seguem, se perseguem, / talvez vão, da solidão ao casamento, / a se fundir e se amar. / Ilusionam outra morte.”
A poeta olha a vida, observa-a se manifestar. Desta vez, são as gotas que tocam, com sua graça, a vida, que caem sobre os justos e os injustos, que deixam sua marca nos vidros e deixam neles significados impressos.
O que dizem as gotas?
Segundo poema, “Este mundo”. “Só aceito esse mundo iluminado / certo, inconstante, meu. / Só exalto seu eterno labirinto / e sua luz segura, embora ela se esconda. / Acordado ou entre sonhos / sua terra sepulcral eu piso / e é sua paciência em mim / que floresce. / Ela tem um círculo monótono, / talvez um limbo, / onde eu espero como um cego / a chuva, o fogo / desencadeados. / Às vezes, sua luz muda; é o inferno, / é o inferno; às vezes, raramente, / o paraíso. / Talvez alguém consiga / abrir portas, / ver além de / promessas, sucessões. / Eu habito nele sozinho, / dele eu espero, / e há um suficiente assombro. / Nele eu estou, / permaneço, / renasci.”
Símbolos de um espaço próprio, da construção do ser, de sua habitação interna, do pertencimento de si mesma como ato de liberdade, são os que nos oferecem neste poema Ida Vitale. Deixemos que sua voz nos convide a conhecer seu mundo.
Terceiro poema: “Mistérios”; Alguém abre uma porta / e recebe o amor / em carne viva. / Alguém adormecido às cegas, / aos surdos, sabendo, / encontra em seu sonho, cintilante, / um sinal rastreado em vão / na vigília. / Entre ruas desconhecidas caminhava, / sob céus de luz inesperado. / Olhou, viu o mar / e teve alguém para mostrar. / Esperávamos algo: / e desceu a alegria, / como uma escada prevenida.” Para a poeta, o amor é apresentado não como um fogo furioso, mas como uma graça, uma luz que se acende para testemunhar o que é compartilhado, o que é esperado. Quarto poema : “Fortuna”; Por anos, desfrutar do erro / e de sua emenda, / ter podido falar, caminhar livre, / não existir mutilada, / não entrar ou sim em igrejas, / ler, ouvir a música querida, / ser à noite um ser como de dia. / Não ser casada em um negócio, / medida em cabras, / sofrer governo de parentes / ou lapidação legal. / Não desfilar nunca mais / e não admitir palavras / que coloquem no sangue / limaduras de ferro. / Descobrir por si mesma / outro ser não previsto / na ponte do olhar. / Ser humano e mulher, nem mais nem menos.”
Neste poema, Vitale analisa as forças da existência da mulher, intimidada pelos fios de uma história que abre uma liberdade incipiente para que a mulher seja, simplesmente, humana. Como observamos, Vitale não escreve apenas sobre temas femininos, ela parte do individual para o geral; é a partir de sua subjetividade feminina que os seus poemas fazem uma reflexão sobre a posição social ocupada pelas mulheres; mesmo que não seja a intenção da autora, ao se posicionar dessa maneira, alguns de seus poemas se tornam políticos.
Trabalhamos um pouco sobre a perfeição da escrita desta poeta que nos acalenta há algumas décadas, Ida Vitale, e terminamos nosso modesto texto com uma pequena observação que ela mesma compôs; “Vida curta ou longa, tudo o que vivemos / se reduz / a um resíduo cinza na memória. // Das antigas viagens restam / as moedas enigmáticas / que pretendem valores falsos. // Da memória só se eleva / uma vaga poeira e um perfume. / Talvez seja a poesia?”