Amanhã é fácil, mas hoje é inexplorado, / Desolado, relutante como toda paisagem / Em ceder as leis de perspectiva
(em “Auto-retrato num espelho convexo”, III; 1975)
Temos a honra – e a curiosidade – de conhecermos os poemas deste autor estadunidense nascido em Nova York, em 1927, e que viveu até 2017, igualmente em sua terra natal; ele é um dos maiores poetas americanos do século XX.
John Lawrence Ashbery foi um poeta, ensaísta, crítico literário, dramaturgo, tradutor e professor universitário em seu país, e um dos fundadores da chamada Escola de Nova York.
Aos dezesseis anos de idade, seus pais o enviaram como interno para a Deerfield Academy, uma escola pública em Massachusetts. Lá, começou a escrever poesia com seriedade. Em seguida, foi para a Universidade de Harvard, onde obteve seu Bacharelado em Artes em 1949, antes de fazer seu Mestrado em Artes (Literatura Inglesa) na Universidade de Columbia, em 1951.
Em 1955, com uma bolsa de estudos da Fulbright, foi para a França, onde permaneceu até 1957.
Durante seus estudos universitários, conheceu escritores como W.H. Auden, Kenneth Koch e Frank O’Hara, os dois últimos dos quais se tornariam amigos de John Ashbery e uniram forças com James Schuyler para criar o que se tornaria conhecido como a “Escola de Nova York”.
Sua primeira coletânea de obras poéticas, “Turandot e outros poemas”, foi publicada em 1953; esse seria o início de muitas publicações : trinta coletâneas poéticas, de 1953 até 2015, e mais uma obra em 1993, traduzida para o polonês por poetas polacos.
Como crítico literário, escreveu seus primeiros artigos em 1957, foi editor da New Art, de 1965 a 1972, e ainda crítico de arte da New York Magazine, de 1978 a 1980 e da Newsweek de 1980 a 1985; seu romance “Um ninho de idiotas” foi publicado em 1969 e foi reimpresso várias vezes.
A obra de John Ashbery recebeu vários prêmios, incluindo o Prêmio Pulitzer, o Prêmio Nacional do Livro, o Prêmio Nacional de Críticos de Livros, e, em 1992, o Prêmio Internacional Feltrinelli de Poesia.
O trabalho de Ashbery caracteriza-se por uma sintaxe de fluxo livre, frequentemente disjuntiva, por extenso jogo linguístico, muitas vezes empregado com bastante humor; observamos igualmente o emprego de um tom quase surpreendentemente banal. Por conseguinte, o jogo da mente humana é o tema de grande parte de seus poemas. Certa vez, Ashbery disse que seu objetivo era “escrever um poema do qual a crítica não conseguisse sequer falar”.
Formalmente, os poemas iniciais apresentam a influência da prática poética convencional, porém, em “O juramento da quadra de tênis”, surge um envolvimento muito mais revolucionário; mais adiante, o autor voltou a aproximar-se de um meio-termo entre tradição e inovação, criando vários poemas como “O Duplo Sonho da Primavera”.
Apesar de nunca mais ter-se aproximado da experimentação radical de alguns de seus textos, o emprego das práticas semântica e sintática, a expressividade linguística e o humor insistente permanecem elementos constantes em sua obra. Aproveitemos de alguns de seus poemas.
O primeiro, “Apenas andando por aí”. “Que nome eu tenho para você? / Certamente não há nome para você / No sentido em que estrelas têm nomes / De alguma forma adequados. Apenas andando por aí, / Um objeto de curiosidade para alguns, / mas você anda muito preocupado / Pela mancha secreta por detrás de sua alma / Para dizer muito e vagar por aí, / Sorrindo para si e para os outros. / Chega a ser meio solitário. / Mas ao mesmo tempo desconcertante. / Contraproducente, como você percebe novamente / Que o caminho mais longo é o mais eficiente, / Aquele que circula entre ilhas, e / Parece sempre percorrer um círculo. / E agora que o fim está próximo / Os gomos da viagem se abrem como uma laranja. / Lá dentro há luz e mistério e comida. / Venha vê-la. Não por mim, mas por ela. / Mas se eu ainda estiver lá, garanto que veremos um ao outro.”
O segundo: “Um mal que vem para bem”; Sim, eles estão vivos e podem ter essas cores, / Mas eu, em minha alma, estou vivo também. / Sinto que devo cantar e dançar, para dizer / Isso de certo jeito, sabendo que você pode estar atraído por mim. / E canto em meio ao desespero e o isolamento / A chance de te conhecer, de cantar de mim / O que é você. Você vê, / Você me segura contra a luz de um modo / Que nunca esperei ou suspeitei, talvez / Porque você sempre me diz que eu sou você, / E tenho razão. As grandes pinaceaes rondam. / Sou seu para morrer junto, desejar. / Não posso jamais pensar em mim, eu desejo você / Num quarto em que as cadeiras / Estão com as costas viradas para a luz / Infligida sobre a pedra e os caminhos, as árvores reais / Que parecem brilhar para mim através das gelosias na sua direção. / Se a luz selvagem deste dia de janeiro é real / Eu me comprometo em ser-te verdadeiro, / Você que não consigo mais parar de lembrar. /Lembrar de perdoar. Lembrar de passar além de você, rumo ao dia / Nas asas do segredo que você jamais / saberá. / Assumindo-me por mim mesmo, no caminho / Que os contornos pasteis do dia me atribuíram. / Prefiro “vocês” no plural, quero vocês / Vocês devem vir até mim, todos dourados e pálidos / Como o orvalho e o ar. / E então me começa a vir esse sentimento de exaltação.”
O terceiro poema: “O pintor”, 1956; “Sentado entre o mar e os prédios / Ele gostava de pintar o retrato do mar, / Mas como as crianças imaginam que uma oração / É apenas silêncio, ele esperava que seu tema / Aparecesse na areia e, agarrando seu pincel, / Cole um autorretrato em sua tela. / Não havia nenhum vestígio de tinta na tela / Até que os moradores dos prédios / O incentivaram: “Tente usar o pincel / Como um meio para atingir um fim. Desenhe, para o retrato, /Um tema menos furioso, menos amplo, um tema / Mais sintonizado com suas mudanças de humor, ou talvez uma oração. / Como posso explicar a eles que ele já estava rezando / Para que a natureza, mais que a arte, nascesse em sua tela? / Ele escolheu sua esposa como um novo tema / Ampliando-o, à imagem de construções em ruínas / Como se tivesse esquecido seu retrato / Ele se expressa sem pincel. / Encorajado, ele mergulhou seu pincel / No mar, murmurando uma oração do fundo de seu coração: / “Minha alma, da próxima vez que eu pintar um retrato / Que tu venhas devastar a tela.” / A notícia se espalhou como pó, incendiando os prédios: / Este artista havia encontrado seu tema à beira-mar. / Imagine um pintor crucificado por seu tema! / Exausto demais para levantar seu pincel, / Sua atitude atrai artistas que se inclinam para fora das janelas dos prédios / Com risadas cruéis: “Não temos a menor chance / Agora para nos espalharmos na tela / Nem pedir ao mar que se sente e tenha seu retrato pintado.” / Ele foi descrito como um autorretrato, / E, no final, todos os traços do tema / Começaram a se desvanecer, deixando a tela / Perfeitamente branca. O artista pousou seu pincel. / E, de repente, um uivo semelhante a uma oração / Ergueu-se dos prédios cheios de gente. / Eles jogaram o retrato da torre mais alta; / E o mar devorou a tela e o pincel / O tema decidiu continuar sendo uma oração.”
Para concluir, sabemos que o autor compõe poesias consideradas de vanguarda e que por isso alguns leitores possam senti-las como inacessíveis. Entretanto, refletimos sobre o que John Ashbery nos esclarece: “Disseram-me que meus poemas não são alcançáveis; meus poemas tratam de nossa intimidade e da dificuldade de pensarmos em nós mesmos. Mas acho que eles são acessíveis se você quiser acessá-los”, acrescentou.