Poliamor -“a capacidade de amar várias pessoas ao mesmo tempo, desenvolvendo vínculos afectivos complexos, com consentimento informado de todas as pessoas envolvidas”- é a palavra que querem agora introduzir gradualmente no nosso léxico. Já entrou nas escolas nos programas do terceiro ciclo há pelo menos 4 anos; foi divulgada recentemente num artigo da comunicação social, que vai acabar por reproduzir-se nos vários media; e muito em breve será divulgada na televisão e no cinema, em filmes onde muitas pessoas vivem o seu quotidiano com várias relações em simultâneo. E essas situações vão ser apresentadas como as mais naturais, as mais sinceras e as mais espontâneas.
O objectivo da agenda é, agora, destronar as relações monogâmicas apresentando-as como artificiais, preconceituosas e ultrapassadas. Costuma ser assim o “modus operandi”: destruir a realidade denominado “obsoleta e preconceituosa” para construir sobre as ruínas uma nova ordem social.
Já vimos acontecer este sucedâneo de estratégias com outras situações, como por exemplo, a alteração, em 2010, da definição jurídica de casamento que pressupunha um homem e uma mulher e a introdução na ordem jurídica portuguesa do casamento entre pessoas homossexuais; e a possibilidade legal de menores com 16 anos poderem alterar a sua identidade – nome e género – no registo civil. Para efeitos legais só é possível escolher entre feminino ou masculino, mas as várias comunidades LGBTQ+ consideram a biologia redutora e têm vindo a construir listas, mais ou menos extensas, com a enumeração de diversas identidades de género. Talvez a lista mais extensa seja a que foi criada pela Comissão de Direitos Humanos de Nova Iorque que, em 2016, divulgou 31 identidades de género. Hoje, a sigla já amplia para LGBTQIAPN+, para incluir pessoas Assexuais/Arromânticas, Poli e Intersexo. Promete continuar a crescer…
Estas opções são casos pontuais, não devem ser generalizadas e muito menos divulgadas como referências e possibilidades de escolha junto de jovens adolescentes em idade escolar que estão em estados sensíveis de desenvolvimento da sua personalidade.
Além da identidade de género também o conceito de poliamor está integrado na disciplina “Cidadania/ Educação para a Sexualidade” do ensino secundário (alunos entre os 15 e os 18 anos de idade).
No site RTP Ensina pode ver-se e ouvir-se uma jovem pessoa a discorrer sobre poliamor na primeira pessoa, equiparando-o a anarquia relacional – aplicação dos princípios anárquicos aos relacionamentos – e a relações abertas. Diana diz que tem “um parceiro fixo e várias relações satélite ou amigos com benefícios”. Afirma-se pansexual que é “a atracção sexual, romântica ou emocional em relação às pessoas, independentemente do seu sexo ou identidade de género” (Dicionário de Língua Portuguesa). E considera que um dos pilares básicos para um bom funcionamento do poliamor é uma boa calendarização dos vários encontros. Recomenda o Google calendar para a gestão eficaz das diversas relações simultâneas.
Do ponto de vista logístico, apenas, este estilo de vida é stressante e egocêntrico, as pessoas só vivem nos estreitos limites das suas várias relações de poliamor. Vivem a olhar uns para os outros. Este modo de vida vem acentuar o decréscimo de natalidade que já se verifica. Mata uma sociedade. Mata um país. É uma filosofia de vida que dá primazia aos direitos individuais. E vem-me à cabeça a frase de um autor que muito aprecio e que é um best seller mundial: “O amor não consiste em olhar um para o outro, mas em olhar juntos para fora, na mesma direção”- Antoine de Saint-Exupéry.
O amor conjugal no contexto de um casamento é normalmente definido por autores jusnaturalistas como a forma de amor que une duas pessoas num compromisso de longo prazo, baseado em exclusividade, intimidade, fidelidade e companheirismo, com o objectivo de construir uma vida em comum, uma família e uma parceria na criação e educação dos filhos, oferecendo estabilidade e espaço para o crescimento mútuo. Este conceito, associado ao de monogamia, é amplamente explorado em várias disciplinas, incluindo filosofia, teologia, e sociologia, cada uma oferecendo perspectivas sobre a importância e a função do amor conjugal na sociedade. Vários autores conceituados como Schopenhauer, Kierkegaard, C.S. Lewis, John Finnis, Grégor Puppinck, Platão, Aristóteles, entre outros, destacam, nos seus escritos, a ideia de que o amor romântico verdadeiro implica a exclusividade.
As “raízes” do poliamor
Procurei em várias fontes a origem do conceito e a autoria da palavra poliamor. E ainda que o conceito de poliamor estivesse já subjacente nos adeptos da poligamia anteriores a esta data, a palavra surge em 1990 com a americana Morning Glory Zell-Ravenheart que se auto denominava uma “sacerdotisa da Igreja de todos os mundos” criada pelo marido Oberon Zell- Ravenheart, em 1961. Morning Glory cunhou o termo poliamor no seu artigo de 1990, “A Bouquet of Lovers”, que celebrava o seu estilo de vida. O casal é considerado o fundador de um novo movimento “poli”. Ela dedicou também sua vida às “artes das trevas” e ajudou o marido a administrar a única academia de magia registada no mundo, a Grey School of Wizardry, na Califórnia, onde novatos podem aprender habilidades como alquimia e feitiços.
Compartilharam amantes e amigos. O casal teve uma cerimónia de casamento pagã em 1978. Morando inicialmente em St Louis, Morning Glory estudou “wicca” (religião neo pagã) e xamanismo eclético. Viveram 8 anos numa comunidade “hippie” criando
Em 2006 foi diagnosticada com mieloma múltiplo. Morreu em 2014 aos 65 anos.
No site RTP Ensina há também uma entrevista a um biólogo. Rui Diogo afirma que a relação monogâmica está a diminuir nas sociedades actuais, mas considera a poligamia ainda menos natural do que a monogamia. Na sua opinião o que está a cair em desuso é a instituição casamento, por ser um “exercício do poder do homem sobre a mulher, um acto de poder masculino que surgiu a partir da noção de propriedade”. Afirma-se adepto das relações abertas: “a dinâmica de um casal que concorda em ter encontros sexuais, sem envolvimento romântico, com outras pessoas – em separado ou em conjunto”.
A jovem Diana, que aparece no primeiro vídeo da RTP Ensina, referido no início deste texto, diz exactamente a mesma coisa: “a monogamia e o casamento estão relacionados com a propriedade privada e a protecção do sistema reprodutivo feminino. Era preciso um parceiro que ficasse em casa para cuidar dos filhos que por sua vez tratariam das terras. O chefe de família distribui as tarefas e a família torna-se numa unidade económica, produtiva, altamente rentável”.
Este discurso e linguagem eram-me familiares e acabei por recordar onde tinha lido esta doutrina: foi na obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” escrita por Friedrich Engels em 1884, na qual ele explora o desenvolvimento das instituições sociais e económicas ao longo da história humana. O livro é baseado em grande parte nos estudos do antropólogo Lewis H. Morgan e é fortemente influenciada pelas ideias de Karl Marx. De acordo com a tese de Engels a monogamia (exclusividade sexual) foi instituída só para as mulheres como consequência da invenção da propriedade privada: tratava-se de garantir ao homem que sua herança seria recebida por seus filhos biológicos, por meio do acesso exclusivo à sexualidade de sua esposa. Mas Engels também afirma que o amor sexuado individual seria exclusivista pela sua própria natureza de modo que o casamento seria sempre e naturalmente monogâmico.
Critérios e valores
Lembro-me de uma conversa que ouvi este Verão. Era uma tarde tórrida de Agosto e procurei refúgio na sombra do bar da praia. Comecei a ler um livro mas fui desviada pelo diálogo entre vozes jovens que estavam numa mesa atrás de mim. “Miúdos” na casa dos trinta, trinta e cinco. Dizia um:
-“É verdade que já tenho uma casa. Tenho muita sorte. Mas isso não chega para ter filhos. Eu até gostava. Mas onde é que vou buscar dinheiro para pagar o colégio?”.
-“É pá tu não pagas renda. A tua casa foi-te dada de mão beijada. Não sabes a sorte que tens”.
-“Sim eu sei que sou um sortudo. Mesmo assim….tu já viste o preço dos colégios, mais a carrinha e a alimentação? Mesmo que se dispense a carrinha e os putos levem comida de casa. Com os ordenados que nos pagam em Portugal é muito difícil.”
-“ Mas porque não hás-de pôr os miúdos no ensino oficial? Nós pagamos impostos para isso.”
-“Estás doido? Com as coisas que ensinam nas escolas oficiais? Tu já viste os programas? Sobretudo os programas de Cidadania e Educação sexual. Eu não quero que dêem a volta à cabeça dos meus filhos. Que façam deles pessoas doentes, confusas, sem valores e objectivos de vida. Sei lá. Aquilo é um absurdo”.
“ Pois tens razão – aqui entrou outra voz, esta feminina. Eu até tenho amigos que nem são católicos nem nada parecido mas meteram os filhos em colégios religiosos para os livrarem dessas coisas escabrosas.”
Desliguei da conversa e pensei: Como será a próxima geração, cujo desenvolvimento se afigura tão fustigado por ideias desordenadas que contrariam a natureza humana?
O Bem Comum
Gregor Puppinck, jurista, é um autor que muito aprecio. Escreveu recentemente um livro denominado “O meu desejo é a Lei: Os Direitos do Homem sem Natureza”. Nesta obra o autor examina como o conceito de direitos humanos tem evoluído e tem sido transformado, movendo-se de uma base que tradicionalmente respeitava a natureza e a moralidade, para uma abordagem onde a vontade individual e o desejo pessoal se tornam preponderantes. E argumenta que esse deslocamento resulta na criação de direitos que são moldados mais pelos caprichos e desejos subjectivos dos indivíduos do que por uma compreensão sólida da natureza humana.
Puppinck critica a ideia de que os desejos pessoais possam tornar-se a base dos direitos sociais, sem ter em consideração as implicações éticas e sociais. Ele acredita que essa abordagem desnaturalizada pode levar à desordem social e à desintegração dos valores que sustentam a civilização, como a família e a vida comunitária.
Efectivamente há uma dimensão social em toda a nossa actuação. E de cada um de nós depende o Bem Comum, a construção de uma sociedade mais humana, mais desenvolvida, mais fraterna. Porque o Homem é um ser social e a forma como vivemos, pensamos e actuamos tem repercussões colectivas.
Temos um património civilizacional valioso, que foi construído ao longo de décadas e séculos de desenvolvimento civilizacional. Não o vamos destruir regredindo, em nome de caprichos pessoais, modismos de conveniência e ideologias delirantes.
Nota: excerto de um texto publicado no jornal Observador.