Dias atrás estava a buscar algumas peças num fornecedor e cobrei a finalização de outras por conta da urgência em recebê-las. Era uma terça-feira.
Nesta semana não vai dar, me disse o atendente. Na quinta-feira, 15, haveria um feriado. Contestei que ainda assim restavam a tarde de terça, a quarta e a sexta. Tempo suficiente para concluir tudo.
– Não trabalharemos na sexta. Compensaremos o feriado do dia 20. Ou seja, paramos na quarta e só voltaremos na próxima segunda-feira.
Contrafeito, perguntei a ele que data seria celebrada no dia 15. Não sei, foi a resposta. Que bisou quanto ao feriado do dia 20. Não resisti. Ainda que rindo, proclamei que era uma vergonha seu desconhecimento. Afinal, o primeiro evento celebra a proclamação da república e o segundo busca sensibilizar a consciência negra.
Sei lá, disse o rapaz, o importante é ficar em casa …
Uma semana depois retornei para coletar o material. Voltei a perguntar para o mesmo rapaz a que se referiam os feriados. Seu colega teve de socorrê-lo … Não é apenas uma vergonha, senão um claro sinal de que não celebramos mais coisa alguma.
Aliás, celebrar a república a esta altura do que temos vivido neste canto do mundo aproxima-se de pedir a um sujeito que está na selva, sobrevivente de um acidente aéreo, que celebre a invenção do avião …
A república fracassou fragorosamente na nossa história e o preço que pagamos é altíssimo: há dois Brasis. Um é o da ampla maioria, trabalhadores e empresários, que moureja para custear o Brasil da corte, dos privilégios, dos que tomaram o lugar da aristocracia, da entourage palaciana. O Brasil da maioria padece sob os donos do poder, que empunham uma bandeira que juram ser a da democracia.
Não cabe mais a fábula do “rei está nu”. Ingressamos no “rei e seus acólitos e toda a corte estão nus”. Há um descolamento da realidade que deixa o “comam brioches” atribuído a Maria Antonieta no chinelo.
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Enquanto isto os feriados no Brasil proliferam. Parindo feriadões esvaziados de sentido religioso ou patriótico. Particularmente vejo que as pessoas ligaram o “dane-se” e simplesmente se homiziam nos seus interesses, de costas para qualquer sentido de coletividade, pedra angular de uma sociedade, de um país, de algo próximo de democracia.
Bem, depois da inserção do halloween em nosso país, corpo estranho e, diga-se de passagem, de péssimo gosto, tudo parece possível. Até a exaltação de uma invenção tola e atéia de um bom velhinho que “não se esquece de ninguém”, a afastar o olhar da cristandade da Luz que a cada ano refulge em Belém.
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Por certo alguém poderá contestar a objeção ao tal halloween mencionando o desfile do dia dos mortos, no México. Perderá seu tempo. Trata-se de uma tradição mexicana, mantida porque o povo daquele país acredita que neste dia os mortos se aproximam dos vivos, retornam às suas casas, aproximam-se dos que deixaram a pranteá-los. O evento culmina no El Zócalo, como é conhecida a Praça da Constituição, no centro da Cidade do México, no coração de Tenochtitlan, a histórica capital asteca. Devemos respeitar suas crenças, que longe estão do “trick or treat”.
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O palco de horrores em que se transformou o Brasil, com insegurança jurídica e usurpação de poderes, a muitos tem preocupado. Não aos que estão por cima da carne seca, nos requintados hábitos e salões, nem mesmo aos embriagados pelo vinagre ideológico. Tais horrores fervem os miolos do outro Brasil, o que não atirou a toalha.
Na conversa atual da busca por poder multipolar, um destes polos dá as cartas e joga de mão. Assisti ontem mesmo um vídeo de um influenciador de esquerda negando que a China seja ou venha a ser imperialista. Porque nunca deflagrou guerras de conquista, não teria bases militares fora de seu território, nem impôs condições draconianas em contratos internacionais, como os celebrados pelas potências ocidentais, que de fato muitas vezes deixam os pequenos de calças na mão. Entenda-se pequenos não sob o ponto de vista territorial, até porque pequeno mesmo é aquele que se apequena. Por maior que seja sua extensão. O Brasil é um grande exemplo.
A China tem sido apresentada como uma novidade nas relações internacionais, a estender a mão para os desfavorecidos, prometendo a eles compartilhar prosperidade. Instalou uma base militar em Djibuti, vem comprando ativos mundo afora e aliviando a situação de endividados, como fez com Grécia e Portugal. Mas cobra seu preço, como qualquer mão-de-ferro do sistema capitalista. Até aí, nada de diferente. Afinal, o sistema financeiro ocidental também é espoliativo.
O problema concentra-se no seu objetivo de estender ao mundo seu sistema de governo, do que Xi Jinping não faz segredo: o partido continuará reforçando seu controle sobre a sociedade e a economia, projetando ao mesmo tempo poder para fora do país e oferecendo um modelo para outras nações. A China “dará grandes contribuições à humanidade”. Horas antes desta declaração a agência estatal Xinhua criticou o modelo de democracia ocidental como “divisório e de confrontação, enquanto o sistema chinês leva à união social”. (https://valor.globo.com/mundo/noticia/2017/10/19/china-agora-quer-exportar-seu-socialismo.ghtml)
União social? Uma união debaixo do tacão do partido. O estado controla a sociedade e o partido controla o estado, usando o medo, a intimidação, a violência e a morte, se necessário, para seus propósitos. O alicerce deste sistema, que passa longe do que admiramos como liberdade, é remunerar a obediência com prosperidade. Sem esta, aquela se rebela.
Estaria o Brasil, por laços ideológicos, inspirado na China, caminhando para o controle total da sociedade? Tomara que não, mas a intimidação contra os que se manifestam contrários tem crescido a olhos vistos. Por vezes de forma sutil. Ao clicar sobre uma mensagem recebida no WhatsApp, as opções “Responder” e “Encaminhar” têm como companheira “Denunciar”. Parece pouco. Só parece.