A avó Rosarinho ficava sempre muito entusiasmada com a aproximação do Natal. Duas semanas antes, mudava- se para a quinta do Sobral, nos arredores da capital, e para alegria de todos, ali recebia a numerosa família!
Desta vez porém, no meio da azáfama da viagem, mudança e preparativos – presépio, árvore de Natal e decorações, comidas e presentes, mais a preparação do auto de Natal em que os miúdos participavam e cantavam…- havia uma razão ainda mais poderosa de alegria, mas simultaneamente de especial preocupação: a neta mais velha, Vera, há muito a viver em Londres, viria de novo a casa pelo Natal… ela que já não vinha há mais de dez anos! Só que, para espanto e maior preocupação da avó, a quem pedira para guardar segredo, telefonara à pressa, pedindo licença para trazer um amigo especial… um hindu!!!
-‘Hindu???’ ,
-‘ Sim, avó, e vai gostar dele…de certeza!’
A avó ficou na expectativa, mas deveras apreensiva com a possível reação dos sete filhos e quinze netos… na verdade, sempre cada um trazia algum amigo ou amiga, gente solitária e geralmente de outro país, mas desta vez… soava-lhe um pouco estranho!!! E que pensariam os pais de Vera? Como reagiriam? Será que já sabiam alguma coisa…?
Infelizmente, toda a família sabia que eles pouco ou nenhum contacto mantinham com a filha, desde que ela lhes dissera pelo telefone, dois anos antes, que pensava casar com um rapaz que conhecera nas prisões de Inglaterra… nem chegara a dizer quem ele era, pois logo lhe tinham dito que havia tanto bom rapaz português fora das prisões…a troca de palavras tinha azedado…e a conversa telefónica com o pai acabara abruptamente…
Quem seria ele afinal? Seria pessoa de confiança e que se integrasse bem no ambiente familiar? Logo numa noite de Natal, em que a avó Rosarinho o que mais pedia e desejava era que houvesse sempre paz na sua família e amor entre todos…
A avó bem se lembrava que a Verinha fora sempre diferente… saíra cedo de casa, aos 19 anos interrompera os estudos, e depois de uma breve zanga com os pais, despedira-se e de mochila às costas, partira para fazer voluntariado na América do Sul… depois resolvera visitar o Tibete, a Índia… aí arranjara trabalho e demorara-se por lá…finalmente resolvera voltar a estudar e trabalhar em Londres e agora, como advogada, sempre atraída por tudo o que se relacionava com solidariedade e causas sociais, trabalhava nas prisões…
A avó Rosarinho, cautelosamente, telefonara a cada um dos filhos, tentando perceber se alguém sabia notícias da Verinha… mas ninguém parecia saber de nada, pelo que resolveu manter segredo até à chegada da neta, tal como ela pedira… contudo, o seu coração ia ficando cada vez mais pequenino de aflição, à medida que a noite de Natal se aproximava…
Dois dias antes do Natal, Vera telefonou à avó e disse que já estava em Portugal. Pediu- lhe de novo para guardar segredo, porque queria fazer uma surpresa a toda a família, mas insistiu muito para que não se afligisse, dizendo ‘… de certeza que tudo vai correr bem, avó!’
Chegada a noite de 24 de Dezembro, quando todos se vestiam já para representarem o teatro de Natal, de repente ouviu- se o som da velha sineta da porta … entreolhando-se, espantados, os filhos perguntaram à avó Rosarinho se esperava mais alguém… sem dizer palavra, a avó foi abrir a porta e Vera entrou, sorridente … de mão dada com um hindu, de turbante na cabeça e trazendo um bebé ao colo… todos se levantaram de imediato, como que catapultados por uma força comum… e não escondendo a sua surpresa e alegria, rodearam os recém- chegados. Um pouco mais atrás, o pai de Vera ficou a olhar, ainda estupefacto e incrédulo…
Então Vera, com um rasgado sorriso e de olhos postos na avó e nos pais, disse-lhes com voz emocionada:
– Que bom é estar aqui de novo com toda a família! Apesar de viver longe, eu sabia que este ano não havia bebé na família para pôr no nosso presépio e por isso quis trazer-vos este presente…o nosso filho Manu! Quis fazer-vos esta surpresa e partilhar com todos a nossa felicidade! Apresento-vos o meu marido, Manoj! Casámos há um ano, ele trabalha comigo nas prisões …como vêem é indiano, natural de Bangalore, onde nos conhecemos! O nome dele significa ‘o que compreende os outros’ – e de facto ele é um homem de muito bom coração, é médico, e tenho a certeza de que todos vão gostar muito de o conhecer melhor, embora ele não fale português… e como vêem, trouxe-o já preparado para fazer de Rei Mago do Oriente…
Com uma gargalhada geral, e passado o choque inicial, a avó Rosarinho, dando o exemplo, de imediato os abraçou e lhes deu as boas-vindas… e em seguida também os pais de Vera, comovidos e sem palavras, os abraçaram com ternura…e toda a família os rodeou e acarinhou.
Manoj sorria para todos. Não percebia o que Vera lhes dissera, mas sentiu- se acolhido naquela casa.
As crianças e jovens estavam excitadíssimos com a surpresa! Todos queriam pegar no bebé!
Aquela noite de Consoada acabou por ser uma Noite inesquecível, com toda a família unida a cantar, como era seu hábito, em volta do presépio.
O bebé – qual novo Menino Jesus – não parecia estranhar tanta cara desconhecida e sorrindo, ia passando de colo em colo, até que adormeceu a um canto da sala, ao colo do avô embevecido, o pai de Vera.
Ao fim da noite, visivelmente cansada e com os pés inchados, mas feliz, a avó Rosarinho veio sentar- se ao lado da nora e do filho, pais da Vera, e comentou para eles:
– Já viram os lindos olhos deste bebé? E o cabelinho negro de azeviche? Que bebé tão querido! E sabem o que significa ‘Manu’? Fui perguntar-lhes…Imaginem só… ‘Manu’ é como o nosso Emanuel, significa ‘Deus connosco!’Que coincidência maravilhosa termos aqui toda a família à volta d´Ele nesta Noite de Natal!