Han Kang é uma autora sul-coreana que nasceu em novembro de 1970, em Gwangju, Coreia do Sul; de acordo com seu pai, recebeu o nome do rio Han – que significa ‘coreano’.
Aos nove anos de idade, Han presenciou a chamada Revolta de Gwangju, um movimento pró-democracia que terminou com o massacre de estudantes e civis pelos militares; já aos doze anos, ela teve maior consciência da situação, e essa descoberta influenciou profundamente sua visão sobre a humanidade e sobre suas obras literárias.
Mais tarde, Han descreveu sua infância como “demais para uma criança pequena”; no entanto, o fato de estar rodeada de livros lhe dava conforto.
Em 1988, ela se formou na Poongmoon Girls’ High School, hoje Poongmoon High School (Escola Secundária de Poongmoon), onde foi presidente de classe.
Em 1993, Han se formou na Yonsei University, onde se especializou em língua e literatura coreana; mais adiante, em 1998, ela se matriculou no Programa Internacional de Redação da Universidade de Iowa.
Depois de se formar na Universidade Yonsei, Han trabalhou brevemente como repórter da revista mensal Saemteo; a carreira literária de Han começou no mesmo ano, quando cinco de seus poemas, incluindo “Winter in Seoul” (‘Inverno em Seul’), foram apresentados na edição de inverno de 1993 da revista trimestral Literature and Society.
Ela fez sua estreia na ficção no ano seguinte, quando seu conto “The Scarlet Anchor” (‘A âncora escarlate’) venceu o Concurso Literário de Ano Novo realizado pelo Seoul Shinmun. Sua primeira coletânea de contos, “A Love of Yeosu” (‘Um amor de Yeosu’), foi publicada em 1995 e chamou a atenção por sua estrutura precisa e bem narrada; após esse momento, a autora se concentra exclusivamente em escrever literatura.
Em 2007, Han publica um livro, “A Song to Sing Calmly” (‘Uma canção para cantar com calma’), que foi acompanhado por um álbum de música; no mesmo ano, ela começou a trabalhar como professora no Departamento de Escrita Criativa no Instituto de Artes de Seul, isso até 2018.
Em seus anos de faculdade, Han ficou obcecada por uma linha de poesia modernista, onde afirmava “… que os seres humanos deveriam ser plantas.” Sua família é conhecida por sua formação literária: seu pai é o romancista Han Seung-won, seu irmão mais velho, Han Dong-rim, também é romancista, enquanto seu irmão mais novo, Han Kang-in, é romancista e cartunista.
Em 2024, ela recebe o Prêmio Nobel de Literatura, o primeiro para uma mulher asiática e para uma coreana. “The Vegetarian” (‘A Vegetariana’) foi o primeiro romance de Han traduzido para o inglês; a obra traduzida ganhou o International Booker Prize 2016 (o Prêmio Booker Internacional 2016).
Han foi a primeira coreana a ser indicada para o prêmio e, em sua tradução para o inglês, foi o primeiro romance em língua coreana a ganhar o International Booker Prize de ficção. The Vegetarian também foi escolhido como um dos “10 melhores livros de 2016” pelo The New York Times Book Review [Resenha de livros do New York Times]; e ainda, recentemente, The Vegetarian ficou em 49º lugar na lista dos “100 melhores livros do século XXI” do The New York Times, em julho de 2024 .
O romance de Han, “Human Acts” (‘Atos humanos’), foi lançado em janeiro de 2016; Han recebeu o Prêmio Malaparte pela tradução italiana de “Human Acts”, ‘Atti Umani’, em 1º de outubro de 2017, e a tradução inglesa foi selecionada para o International Dublin Literary Award (‘Prêmio Literário Internacional de Dublin’), de 2018.
E o terceiro romance de Han, The White Book (‘O livro branco’), foi selecionado para o International Booker Prize de 2018: trata-se de um romance autobiográfico, centrado na perda de sua irmã mais velha, um bebê que morreu duas horas após seu nascimento.
O romance de Han, We Do Not Part (‘Nós não nos separamos’), foi publicado em 2021: ele conta a história de uma escritora que pesquisa a revolta de Jeju de 1948-49 e seu impacto na família de sua amiga; sua tradução francesa do romance ganhou o Prix Médicis Étranger (‘Prêmio Médicis Estrangeiro’), em 2023.
Já o quarto romance completo de Han, em 2023, Greek Lessons (Lições Gregas), foi traduzido para o inglês, e a revista The Atlantic o chamou de um livro em que “as palavras são insuficientes e poderosas demais para serem domadas”.
A autora tem sido homenageada recebendo prêmios de diversos países e de múltiplos editores, desde 1999 até este ano de 2024, quando Han recebeu o Prêmio Nobel de Literatura da Academia Sueca por sua “prosa poética intensa que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”; isso fez dela a primeira escritora coreana e a primeira escritora asiática a receber o Prêmio Nobel de Literatura.
Passamos agora a alguns poemas de Han Kang.
O primeiro: “Casa de luz escura como breu”; ‘Naquele dia em Ui-dong / caiu um granizo / e meu corpo, companheiro de minha alma / tremeu a cada lágrima que caía. / Siga seu caminho. / Está hesitando? / Com o que está sonhando, pairando assim? / Casas de dois andares iluminadas como flores, / embaixo delas aprendi a agonia / e em direção a uma terra de alegria ainda intocada / insensatamente estendi a mão. / Siga seu caminho. / O que está sonhando? Continue andando. / Caminhei em direção às memórias que se formavam em um poste de luz. / Lá, olhei para cima e dentro do abajur / havia uma casa escura como breu. / Escura como breu / casa de luz / O céu estava escuro e nessa escuridão / os pássaros inquilinos / voavam para cima livrando-se do peso de seus corpos. / Quantas vezes eu teria que morrer para voar assim? / Ninguém poderia segurar minha mão. / Qual sonho é tão lindo? / Qual lembrança / brilha tão intensamente? / A neve, como as pontas dos dedos de minha mãe, / passando por minhas sobrancelhas desgrenhadas / atingindo as bochechas congeladas e novamente / acariciando o mesmo lugar, / Apresse-se e siga seu caminho.’
O segundo poema (dividido em cinco partes): ‘Inverno através de um espelho’ / 1. / Observe a pupila de uma chama. / Azulado / coração / em forma de um olho / a coisa mais quente e brilhante / que o rodeia / chama interna alaranjada / o que mais cintila / o que a envolve novamente / chama externa semitransparente / amanhã de manhã, na manhã em que eu / parto para a cidade mais distante / esta manhã / o olho azulado de uma chama / espreita além dos meus olhos.’ Sim, observamos que nossos olhos podem ir além da luz da manhã. /2. / ‘Agora minha cidade é uma manhã de primavera, se você passar pelo núcleo da terra, atravessar direto pelo meio sem vacilar, esta cidade aparece, a diferença de horário lá está exatamente doze horas atrás, a estação está exatamente meio ano atrás, então esta cidade é agora uma noite de outono, / como se estivesse seguindo silenciosamente alguém, aquela cidade segue atrás da minha, para atravessar a noite e atravessar o inverno, eu espero silenciosamente, enquanto minha cidade ultrapassa aquela como alguém ultrapassando silenciosamente’ Sem pontuação, e silenciosamente, a noite e o frio do inverno nos podem consolar em silêncio / 3. / ‘Dentro do espelho, o inverno está esperando / Um lugar frio / Um lugar totalmente frio / Está muito frio / os objetos não podem tremer / seu rosto (uma vez congelado) / não pode se despedaçar / Eu não estendo minha mão / você também / não quer estender sua mão / Um lugar frio / Um lugar que permanece frio / Está muito frio / As pupilas não podem pestanejar / As pálpebras / não sabem como se fechar (juntas) / Dentro do espelho / o inverno espera e / Dentro do espelho / Não posso evitar seus olhos e / Você não quer estender sua mão’ A escuridão e o silêncio nos remetem ao breu de tal forma que procuramos o refúgio do espalho / 4. / ‘Eles disseram que voaríamos por um dia inteiro. / Dobre bem vinte e quatro horas, coloque-o em sua boca e / olhe-se no espelho, eles disseram. / Quando eu desfizer as malas em um quarto / naquela cidade / Devo tirar um tempo para lavar meu rosto. / Se o sofrimento dessa cidade ultrapassar silenciosamente / eu ficarei para trás silenciosamente e / quando você não estiver olhando para ela por um momento / encostarei na parte de trás gelada do espelho / e cantarei descuidadamente. / Até que, depois de dobrar firmemente vinte e quatro horas / e cuspir com sua língua quente / você retorna e olha para mim’ A dor e a memória do trauma terão um pequeno retorno / 5. / ‘Meus olhos são dois tocos de vela que deslizam gotas de cera enquanto consomem o pavio, não é abrasador nem doloroso, dizem que o tremor do núcleo da chama azulada é a chegada das almas, as almas se sentam em meus olhos e tremem, elas cantarolam, a chama externa balançando na distância oscila para se afastar mais, amanhã você parte para a cidade mais distante, aqui estou em chamas, agora você coloca suas mãos na tumba do vazio e espera, a memória morde seus dedos como uma cobra, você não está queimado nem sente dor, seu rosto inabalável não queima nem quebra’ A “chama azulada” das almas permite que a dor se desvaneça e a luz a ilumine.
Kan Hang nos diz que ela lê um livro de poesia e um romance (ou trechos) todos os dias, para ela se carregar “com a densidade das frases”; a autora do Prêmio Nobel 2024 o faz muito bem, e confessa que sua “escrita melhorou imensamente”!