Doce é a vingança. É o que dizem, mas não posso imaginá-la açucarada porquanto o que a produz é a raiva, o ódio, a vendeta. No campo militar existem vários exemplos de vingança, materializados por humilhações impostas aos vencidos no campo de batalha. Uma cerimônia inúmeras vezes repetida era a deposição dos estandartes. Vejamos um exemplo da Idade Moderna.
No texto “Bandeiras, estandartes e o sentido de honra” há uma narrativa da Guerra da Restauração de Portugal (https://guerradarestauracao.wordpress.com/2008/07/28/bandeiras-estandartes-e-o-sentido-de-honra/):
“Os códigos de comportamento ditavam que bandeiras ou estandartes capturados durante um combate fossem transportados de arrasto pelo chão, demonstrando a humilhação infligida aos perdedores. Por exemplo, no regresso de uma incursão portuguesa a Valverde, em 1641, as sete bandeiras tomadas ao inimigo foram trazidas pelo chão, no meio das duas filas formadas pelos 300 prisioneiros (Manuscrito de Matheus Roiz, pg. 16)”.
Na Primeira Guerra Mundial os austríacos derrotados desfilaram em Moscou para gáudio do povo e do czarismo. Este desfile seria minúsculo diante daquele promovido em 1944, sob a batuta de Stalin, numa parada militar assombrosamente maior e mais ácida: 57 mil prisioneiros alemães, sujos, famintos, alguns descalços, marcharam pelas ruas de Moscou. À sua frente, dezenove generais alemães, com seus uniformes e condecorações, seguidos por dezenas de oficiais de alta patente, sorveram o cálice transbordante do fel da humilhação (https://www.youtube.com/watch?v=pcUcKN8dwVs).
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Fico quase sem saber o que dizer, para não ser rude, quando escuto de uns e outros que a posse de Trump haverá de influenciar decisivamente a política no Brasil e corrigir o que consideram desmandos nas mais altas esferas. Este pessoal, mal comparando, parece inclinado a chamar um vizinho para resolver seu problema conjugal. Porque é mais cômodo e rápido, sem contar que o aconselhamento do vizinho pode ser rejeitado, se assim convier, pelo próprio sujeito que o convocou.
Mas é muito mais que isto. Um passar de olhos pela história mostra que os norte-americanos cuidam, antes de tudo, de seus interesses. Sua política externa é frequentemente horrorosa, com acusações de participação em golpes de estado e apoio a ditadores, sempre com olhos em seus objetivos.
Aos que tiverem interesse em conhecer um pouco as práticas do império norte-americano na cena mundial, particularmente na América Latina, recomendo “Confissões de um assassino econômico”, de John Perkins.
Desvendar tais práticas não constitui antiamericanismo. Valer-se de antolhos, esperando o que não virá, buscando terceirizar ações que imaginam indispensáveis para o nosso futuro, na minha visão constitui-se em puro pensamento mágico, infantil e tolo.
Esta confissão de incompetência e mesmo de inapetência para mudar nosso destino, compõe a marcha diária de milhões de vencidos pelas ruas do Brasil, à busca de lideranças, observados de cima por castas a quem seu destino pouco importa. Refestelados nos três poderes, com traidores além da conta, até mesmo os que se dizem socialistas correm, sempre que podem, para as atrações da terra de Trump. Louvam Cuba, mas desfilam seu idealismo em Paris e Nova Iorque.
Como uma maldição, este é um jogo sequer jogado. Do jeito que os brasileiros abdicam de sua soberania, nem precisa deixar o vestiário, porque sempre perdemos. Com ou sem Trump.