O poeta César Vallejo nasceu na província de Santiago de Chuco, no Peru, em março de 1892, e morreu em Paris, em abril de 1938. Viveu em uma situação pobre porque sua família era muito numerosa; em 1910, conseguiu ingressar na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Trujillo, mas não pode se formar por falta de dinheiro; sempre sofreu dessa condição, em toda sua vida.
Finalmente, em 1915, chegou a se formar como professor em Trujillo, a terceira cidade mais populosa do país. e a mais populosa do norte peruano. No ano de 1923, animado por amigos, decidiu mudar-se para Paris, onde conhecerá renomados pintores e escritores da época, e desde a ocasião de sua partida, nunca mais voltou ao Peru. O autor foi um poeta de tendência vanguardista, ou seja, ele produziu a ruptura de modelos preestabelecidos e defendeu o novo nas fronteiras do ‘experimentalismo’, e dessa forma, ele foi considerado unânime pela crítica especializada como um dos maiores poetas hispano-americanos do século XX e o maior poeta peruano, tendo sido igualmente contista, romancista, dramaturgo e ensaísta.
Quanto às primeiras obras publicadas, ressaltamos : Poesia, ‘Los heraldos negros’ (‘Os arautas negros’), 1918; ‘Trilce’, 1922; ‘Poemas humanos’, 1939 – póstumos; ‘España, aparta de mi este cáliz’ (‘Espanha, afasta de mim este cálice’), 1940 – póstuma ; ‘Obra Poética Completa’, póstuma, 1968, incluindo manuscritos e publicações em revistas. Quanto a romances, contos e crônicas, seis obras, desde 1923, três delas, e mais as datas de 1931, 1944, 1959 e 1965, completas e póstumas.
Os ‘Dramas’ foram organizados em ‘Obra publicada’, contendo quatro dramas em dois volumes, em 1979.
Já os ‘Ensaios’ estão publicados desde 1973.
Além dos livros de poemas inéditos, deixou outras obras acabadas e não publicadas, entre romances, dramas e ensaios.
Passamos a alguns poemas de Cesar Vallejo.
Primeiro, “Trilce, XXVIII” – ‘Somente agora almocei, e não tive / mãe, nem súplica, sem serve-te, nem água, / nem pai que, no facundo ofertório / das chancas*, pergunte para sua tardança / de imagem pelos broches maiores de som. / Como eu iria almoçar. Como me serviria / de tais pratos distantes essas coisas / quando se houvesse quebrado o próprio lar, / quando não surge nem mãe aos lábios. / Como eu iria almoçar nonada*. / À mesa de um bom amigo almocei / com seu pai recém chegado do mundo, / com suas velhas tias que falam / em tordilho recinto de porcelana, / cochichando por todos seus viúvos alvéolos; / e com cobertos francos de alegres pífaros*, / porque estão em sua casa. Assim, que graça! /E me doeram as facas / desta mesa em todo o paladar. / O jantar destas mesas assim, em que se prova / amor alheio em vez do próprio amor, / torna terra o bocado que não brinda a / MÃE, torna golpe a dura deglutição; / doce, fel; azeite fúnebre, o café. / Quando já se quebrou o próprio lar, / e o serve-te não sai da /tumba, / a cozinha às escuras, a miséria de amor.’
NOTAS: chancas : calçados grosseiros / nonada : bagatela.
Segundo, “Trilce, LXVII” – ‘Canta próximo o verão, e ambos / diversos erramos, ao ombro / cotovelos, cedros, compassos de um pé só, / escarranchados na única reta inevitável. / Canta o verão e naquelas paredes / adoçadas de março, / choraminga, formiga a aracnídea aquarela / da melancolia. / Quadro marcado de trissado anelídeo, quadro / que faltou nesse lugar para onde / pensamos que viria o grande espelho / ausente. / Amor, este é o quadro que faltou. / Mas, para que me esforçaria / por dourar cigarro para tal encantada aurícula, / se, às costas de astros queridos, / se consente o vazio, apesar de tudo. / Quanta mãe acabava adentrada / sempre, em tenaz atavio de carvão, quando / o quadro faltava, e para o que cresceria / ao pé de árdua quebrada de mulher. / Assim eu me dizia: Se virá aquele espelho / que de tão esperado já passa de cristal. / A vida me acabava, para que? / A vida me acabava, para fugirmos / só de espelho a espelho.’
Terceiro – “Sermão sobre a morte” – E, afinal, passando logo ao domínio da morte, / que atua em esquadrão, prévio colchete, / parágrafo e chave, mão grande e diérese*, / para que a estante assíria? para que o púlpito cristão, / a intensa bandeirola do móvel vândalo / ou, menos ainda, este esdrúxulo retiro? / É para terminar, / amanhã, em protótipo do alarde fálico, / em diabete e em branco urinol, / em rosto geométrico, em defunto, / que se fazem mister sermão e amêndoas, / que sobram literalmente batatas / e este espectro fluvial onde arde o ouro / e onde se queima o preço da neve? / É para isto que morremos tanto? / Para só morrer, temos que morrer a cada instante? / E o parágrafo que escrevo? / E o colchete deísta que arvoro? / E o esquadrão em que falhou meu casco? / E a chave que dá em todas as portas? / E a forense diérese, a mão, / minha batata e minha carne e minha contradição sob o lençol? / Louco de mim, louvo de mim, cordeiro / de mim, sensato, cavalíssimo de mim! / Estante, sim, toda a vida; púlpito, / também, toda a morte! / Sermão da barbárie: estes papéis; / esdrúxulo retiro: / esta pelanca. / Desta corte, cogitabundo, aurífero, braçudo / defenderei minha presa em dois momentos, / com a voz e também com a laringe, / e do olfato físico com que oro / e do instinto enquanto viva – / devo dizê-lo; / se orgulharão meus impertinentes, / porque, ao centro, estou eu, e à direita / também, e à esquerda de igual maneira.’
NOTA¨: diérese*¨: separação.
Quarto poema – “Intensidade e altura” – Quero escrever, porém me sai espuma, / quero dizer muitíssimo e me atolo: / não há cifra falada que não seja suma, / não há pirâmide escrita sem repolho. / Quero escrever, porém me sinto puma; / quero laurear-me, / porém me encebolo. / Não há tosse falada que não chega a bruma, / não há deus nem filho de deus sem desenrolo. / Vamo-nos, pois, por isto, comer erva, / carne de pranto, fruta de gemido, / nossa alma melancólica em conserva. / Vamo-nos! Vamo-nos! Estou ferido; / vamos beber o já bebido, / vamos, corvo, fecundar tua corva.’
Seguimos os dizeres dos analistas literários sobre a obra do autor, e teremos esta frase para fechar nosso texto: “A magnitude de sua poesia, em um sentido realmente humano, além do formal, fez com que, mesmo um pensador do porte de Thomas Merton (1915-1968 – monge da Abadia de Gethsemani, em Kentucky) tenha considerado Vallejo “o mais importante poeta universal depois de Dante”.
Ou bem o aceitamos, ou bem podemos ainda ir mais adiante; terminamos nossa redação com os seguintes dizeres de Cesar Vallejo: “A atual geração da América não anda menos extraviada que as anteriores. A atual geração da América é tão retórica e faltosa de honestidade espiritual quanto as gerações anteriores que ela renega. Ergo minha voz e acuso minha geração de impotente para criar ou realizar um espírito próprio, feito de verdade, de vida, enfim, de sã e autêntica inspiração humana. Pressinto desde já um balanço desastroso de minha geração, daqui a uns quinze ou vinte anos.”