Dia do Pai
Gonçalo fazia sete anos naquele 19 de março. Já não tinha a visita do pai há uns dois anos. De joelhos no chão da sala de espera do consultório, brincava, tranquilamente, sobre o assento da cadeira, com os bonecos Playmobil tão desejados, que a mãe lhe dera de presente, logo ao acordar.
Era um dia muito especial!
Por um lado, era o dia dos seus anos, mas era também o dia do Pai, e Gonçalinho – não querendo ficar atrás dos colegas da escola-desenhara um enorme avião com o pai lá dentro e a todos anunciara a chegada do pai, na véspera dos seus anos. O pai porém não chegara no avião desse dia e afinal anunciara que só viria no próprio dia 19. Na véspera, Gonçalo e a mãe já tinham esperado no aeroporto, em vão… depois o pai dissera por mensagem que chegava no dia 19, a tempo da consulta… e era uma consulta muito importante, mas ali estavam eles às sete da tarde… e do pai não havia sinais… por fim, o pai mandara nova mensagem à mãe, dizendo que o avião só chegaria mais tarde a Lisboa, por isso iria ter a casa diretamente e depois jantariam juntos num restaurante.
Uma vez mais, a mãe de Gonçalinho ali estava, nervosa e abatida, com duas rugas bem vincadas na testa, cheia de preocupação …sentia-se extremamente só e numa ocasião tão importante: o médico iria confirmar a necessidade de uma nova operação aos olhos de seu filho, por agravamento de glaucoma e grave risco de cegueira. Seria a terceira operação! Já não bastava mudar de lentes, nem utilizar colírios… a operação era inevitável e urgente!
Entretanto, inocentemente, e alheio aos problemas, o pequenito brincava, conversando com os seus bonecos, enquanto esperavam a consulta…
Ao chegarem a casa, o pai já lá estava e pai e filho abraçaram- se com ternura, sem que Gonçalinho desse mostras de querer largar o colo do pai, contando- lhe que tinha feito na escola um lindo presente para lhe oferecer por ser Dia do Pai…depois, sem que pai e mãe pudessem trocar um beijo ou um abraço, o filho arrastou- o até ao quarto para lhe mostrar a sua obra de arte!
Atrás dos dois, a mãe contemplava o espetáculo enternecedor…
Ela bem sabia há muito, que o marido arranjara alguém em Moçambique e por isso deixara de vir visitá-los. Primeiro espaçara as vindas, alegando muito trabalho. Depois, deixara mesmo de vir a Portugal. Ela confrontara-o com a realidade, ele negara de início, mas acabara por confirmar…
Era uma separação muito dolorosa, sobretudo para a mãe. O filho não entendia e sempre esperava que o pai voltasse… sabia que ele algum dia havia de voltar!
Desta vez, porém, o pai percebera que era mesmo importante estar presente. Gonçalo precisava muito do pai…
Após o jantar a três, que o casal procurou tornar o mais festivo possível para alegria do filho, ao regressarem a casa, Gonçalo quis que o pai o fosse despir e deitar. Também não largava o presente que o pai lhe trouxera. Junto à porta, de pé, nervosa e comovida, a mãe assistia ao diálogo entre eles:
- Pai, fica comigo esta noite, sim?
- Sim, meu querido, eu fico!
- E amanhã também?
- Sim…
- E para a semana?
- Para a semana também…
- E nunca mais nos deixas, pai?
- Nunca mais…
- A sério, pai? O pai fica connosco? Não há mais viagens?
- Sim, a sério, de verdade, não há mais viagens… deixei o trabalho em Moçambique! Voltei para ficar, vou mudar de emprego para ficar cá contigo e com a mãe, para sempre, para sempre, se ela também quiser…
E a mãe queria… e o pai ficou.