Nascido como Alfredo Quíspez Asín, César Moro é um poeta peruano reconhecido como uma das mais singulares vozes poéticas de sua época, em torno dos anos trinta e quarenta do século XX.
Poeta bilíngue em espanhol e francês, ele produziu a maior parte de sua obra surrealista, na França e no México, inserindo o contexto vanguardista do papel do inconsciente em sua atividade criativa de dimensão mundial.
Especificamos: em 1940, já residindo no México, entre outros, Moro organiza a 4ª Exposição Internacional do Surrealismo, o que provoca o interesse em sua bibliografia, sendo que esta inclui obras como ‘O Castelo de Grisou’ (‘Le chatêau de grisou’), em 1943, ‘A tartaruga equestre’ (‘La tortuga ecuestr’) e ‘Os óculos de enxofre’ (‘Los anteojos de azufre’), ambos em 1958, póstumos.
Sua produção literária se destaca também pela pintura que a realça habitualmente. O autor dedica-se muito na organização de exposições e direções de revistas, como também na escritura de diversos textos sobre artes plásticas; entretanto, mais adiante, frisando que houve um momento em que se tornou impossível esse ‘dogmatismo’, ele se retira dessa função.
Em 1944, César Moro se afasta publicamente do surrealismo ortodoxo e volta a Lima em 1948, onde ainda publica e organiza suas produções finais. Relação de suas obras: ‘La Tortuga ecuestra’ – ‘A Tartaruga Equestre’, 1938; ‘Cartas’, 1939; ‘Lettre d´amour’ – ‘Cartas de amor’, 1939; ‘El castillo de Grisú’ – ‘O castelo de Grisu’, 1941; ‘Le château de grisrisou’ – ‘O Castelo de Grisou’, 1943; ‘L´ombre du paradisier et autres textes’ – ‘A Sombra do Paraíso e outros textos’, 1944; ‘Trafalgar Square’ – ‘Praça Trafalgar’, 1954; ‘Amour à mort’ – ‘Amor até a morte’, 1955; ‘Los anteojos de azufre’ – ‘Os óculos de enxofre’, 1958. Dedicamo-nos à poesia do autor.
Primeiro texto: ‘O mundo ilustrado’; Igual à tua janela que não existe / Como uma sombra de mão em um instrumento fantasma / Igual às veias e ao percurso intenso de teu sangue / Com a mesma igualdade com a preciosa continuidade que me assegura idealmente tua existência / A uma distância / À distância / Apesar da distância / Com tua fronte e teu rosto / E toda a tua presença sem fechar os olhos / E a paisagem que brota de tua presença quando a cidade não era não podia ser senão o reflexo inútil de tua presença de hecatombe / Para melhor molhar as plumas das aves / Cai esta chuva de bem alto / E me encerra a mim sozinho dentro de ti / Dentro e longe de ti / Como um caminho que se perde em outro continente.
Segundo texto: ‘Um campo de terra no meio da terra’; Os ramos de luz atônita povoando inumeráveis vezes a área de tua fronte assaltada pelas ondas / Asfaltada de luz tecida de pelo terno e de marcas leves de fósseis de plantas delicadas / Ignorada do mundo banhando teus olhos e o rosto de lava verde / Quem vive! Assim que durmo regresso de mais longe a teu encontro de trevas a passo de chacal te mostrando conchas de espuma de cerveja e prováveis edificações de nácar lamacento / Viver sob as algas / O sonho na tormenta sereias como relâmpagos a aurora incerta um caminho de terra no meio da terra e nuvens de terra e tua fronte se ergue como um castelo de neve e apaga a aurora e o dia se acende e a noite retorna e feixes de teu pelo se interpõem e açoitam o rosto gelado da noite / Para semear o mar de luzes moribundas / E que as plantas carnívoras não fiquem sem alimento / E cresçam olhos nas praias / E as selvas despenteadas gemam como gaivotas.
Terceiro texto: ‘A perder de vista’; Jamais renunciarei ao luxo insolente à devassidão suntuosa de pelos como feixes finíssimos pendidos de cordas e sabres / As paisagens da saliva imensas e com pequenos canhões de plumas-fontes / O girassol violento da saliva / A palavra designando o objeto proposto por seu revés / A árvore como uma lamparina mínima / A perda das faculdades e a aquisição da demência / A linguagem afásica e suas embriagadoras perspectivas / A logoclonia o tic a raiva o bocejo interminável / A estereotipia o pensamento prolixo / O estupor / O estupor de contas de cristal / O estupor de névoa de cristal de ramos de coral de brônquios e de plumas / O estupor submarino e suave resvalando pérolas de fogo impermeável ao riso como uma plumagem de pato diante dos olhos / O estupor inclinado à esquerda flamejante à direita de colunas de trapo e de fumaça no centro detrás de uma escada vertical sobre um balanço / Bocas de dentes de açúcar e línguas de petróleo renascentes e moribundas desprendem coroas sobre seios opulentos banhados de mel e de cachos ácidos e variáveis de saliva / O estupor roubo de estrelas galinhas limpas / lavradas em rocha e terra firme mede a terra da extensão dos olhos / O estupor jovem pária de afortunada altura / O estupor mulheres adormecidas sobre colchões de cascas de fruta coroadas de finas correntes nuas / O estupor os trens da véspera recolhendo os olhos dispersos nas pradarias quando o trem voa e o silêncio não pode seguir o trem que treme / O estupor como chave-mestra derrubando portas mentais devastando o olhar de água e o olhar que se perde no sombrio da madeira seca / Tritões veludos resguardam uma camisa de mulher que dorme despida no bosque e transita a pradaria limitada por processos mentais não muito bem definidos dissimulando interrogatórios e respostas das pedras desatadas e ferozes tendo em conta o último cavalo morto ao nascer da aurora das roupas íntimas de minha avó e grunhir meu avô de cara para a parede / O estupor as cadeiras voam ao encontro de um tonel vazio coberto de trepadeira vizinha do sótão voador pedindo o encaixe e o desaguamento para os lírios de pequena capa primária enquanto uma mulher violenta enrola as saias e mostra a imagem da Virgem acompanhada de cerdos coroados com tríplice coroa e laços de duas cores / A meia-noite depila o ombro esquerdo sobre o ombro direito cresce o pasto pestilento e rico em aglomerações de minúsculos carneiros vaticinadores e de vitaminas pintadas de árvores de fresca sombrinha com adornos e rolos / Os miosótis e outros pesados gerânios cospem sua miséria / O grandioso crepúsculo boreal do pensamento esquizofrênico / A sublime interpretação delirante da realidade / Jamais renunciarei ao luxo primordial de tuas quedas vertiginosas oh loucura de diamante.
Quarto texto: ‘No coração da realidade’; Vela do sonho sobre a ribanceira / Azeite das pálpebras funcionando no vazio / A astúcia a embriaguez o pretexto / Mortalha das pedras e dos pães dormidos / Caem em mim para que as lágrimas / Com suas facas vacilantes / Assaltem o último esconderijo / Das asas ornadas de grãos / De promessas de palavras avultadas.
Ficamos por aqui com os poemas de nosso autor de tendência surrealista: César Moro é um dos mais originais e expressivos poetas do seu gênero. A expressão espontânea e automática do pensamento e do inconsciente deliberadamente incoerente, proclamam a prevalência do sonho e dos desejos que se impõem na renovação de todos os valores. “A noite em que tudo falava de um encantador desejo de morte / Em que as lágrimas uma vez que disseram tudo queriam me levar para outro lugar”.