Subia a serra quando o radialista, aliás muito bom na área em que se especializou, meteu-se de pato a ganso para condenar brasileiros que falam mal do Brasil no exterior. Afirmou ter representado o país por décadas lá fora e por isto considerava inconcebível que um brasileiro pudesse falar mal do seu próprio país no estrangeiro.
Não viajei tanto quanto este cidadão, mas por longos anos mantive vínculo com empresas européias, que visitava pelo menos uma vez ao ano. Costumava dizer que todos os que travam contato com estrangeiros são pequenos embaixadores. Porque têm a oportunidade de transmitir o que somos. Tanto positiva – lembrando que peneiras não tapam o sol,- quanto negativamente.
Acho que já mencionei algures uma conversa com uma italiana, diretora de uma pequena empresa familiar. Tocara no tema carnaval e tecera um comentário elogioso. Entendi que sua fala era próxima de um elogio à simpatia dos parisienses … Então disse a ela que não era um grande admirador da festa dos exageros. Foi o bastante para que revelasse o que de fato pensava sobre carnaval: uma exibição de vulgaridade. Nada respondi. Portanto não discordei.
Falar mal do Brasil, por certo, não faz parte do meu cardápio, sobretudo viajando, mas isto não é um conluio com as mazelas que vivemos cada vez mais. O cerceamento da livre expressão é tão patente que aqueles que o negam ou são cegos, ou integram o time dos censores ou se iludem pensando que o raio só cairá na cabeça dos outros. As estratosféricas multas pecuniárias em situações recentes tiveram o dom de calar a grande maioria, que se sente insegura. Foi a mordaça mais eficiente da nossa história, associada à prisão e condenação seletivas.
Imaginar que um brasileiro que expõe isto lá fora seja um mau cidadão é como criticar uma mulher que apanha diariamente do marido porque denunciou os maus tratos para uma vizinha, primeiro, e para um delegado, depois. Como sugerir que a espancada deva conversar com o agressor tendo como avaliadores uma dúzia de transgressores da Lei Maria da Penha.
Perseguir a livre expressão, aprisionando de forma mais dura que aquela aplicada a um bandido, a um assassino, a um estuprador, para muitos desvela uma forma por assim dizer seletiva. Para outros, penas com dosimetria insólita sugerem o emprego do argumentum baculinum, ou seja, o uso da violência para a consecução de um objetivo. Sei lá. Com a palavra os entendidos. Quanto a condenar manifestações no estrangeiro nada elogiosas ao Brasil me parece trair uma visão caolha da realidade. Que, convenhamos, não é nada risonha.
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Admiro a engenhosidade e as conquistas tecnológicas, mas não fecho os olhos. Acabo de ouvir matéria versando sobre manipulações genéticas, na linha “Brincando de deus”, na busca de vantagens e ganhos de produtividade. No meio da conversa foi mencionado o desenvolvimento de peixes sem espinhas … Estou a exagerar ou isto cheira a teratogenia?
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Tive a sorte de encontrar num sebo a entrevista concedida por Cordeiro de Farias a Aspásia Camargo e Walder de Góes. Dono de memória prodigiosa, desfilam no livro personagens e fatos históricos da maior relevância. Conviveu de perto com Prestes, Miguel Costa, Siqueira Campos, Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha, dentre tantos outros que fazem parte de nossa história. Foi revolucionário e político, mas nunca deixou de ser um militar de primeira grandeza.
Foi interventor federal no Rio Grande do Sul e as páginas de O Progresso registram sua visita a Montenegro. Sobre Prestes, sua opinião é de desapontamento: “Por tê-lo conhecido tão bem é que não consigo compreender as mudanças sofridas por ele. Era um homem de visão ampla, sem preconceitos, e de repente revelou-se tão bitolado! Não consigo compreender uma transformação tão profunda”. Sugere alhures que o líder revolucionário, que seguira por mais de vinte mil quilômetros Brasil afora, sofrera lavagem cerebral.
Ao falar de sua convocação para integrar a Força Expedicionária Brasileira, que lutaria na Europa na Segunda Guerra mundial, Cordeiro de Farias escancara sua vocação e bravura: “Foi um presente verdadeiramente maravilhoso, o maior prêmio que tive: para um soldado não há maior prêmio do que a guerra”.
Isto me fez lembrar da expressão corrente no futebol, que ironiza os leões de treino, que gastam a bola nos campos de treinamento, mas desaparecem nos jogos: “Treino é treino. Jogo é jogo”. O chiste, atribuído ao craque Didi, desafia a imaginação se volvermos os olhos para as nossas Forças Armadas, porquanto desabituadas de conflitos que tornam rubro o solo.
Num país que corre enorme risco de se transformar num narcoestado, parece que o inimigo maior de uns tempos pra cá é interno, abastecido pela fronteira com países institucionalmente precarizados, como a Venezuela.
Cotejando a bravura de homens como Cordeiro de Farias e seus contemporâneos com a visível tendência burocrática de hoje, muitos se perguntam se houve uma espécie de erosão do DNA de nossos militares, seja pelo longo período sem conflitos armados, seja pela planejada destruição ideológica. Será que estamos a produzir militares teratogênicos sem espinha?