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Polarização

  • Abril 19, 2025
  • Cultura
  • João Baptista Teixeira

 

O rei da cizânia agora deu pra criticar a polarização. Prega que é preciso acabar com o ódio. E que este ódio nasceu e reside na direita, que frequentemente denomina fascista. Horas antes e horas depois discursou contra a elite, que segundo ele contribuiu menos para a formação intelectual que ele. Nada de novo. Demagogo de carteirinha, muitos o têm na condição de um boquirroto hors concours.

Ungido pela situação de fato anormal no país, se pretende protagonista em tudo, o que me faz lembrar de pessoas frustradas que conheci de perto. Amaldiçoam por inúmeras formas os tantos que, mercê das oportunidades que tiveram, as superam em formação. O tempo se foi e ele não o aproveitou para lapidar-se. Segue desancando desafetos e fala como se nunca houvesse saído do estádio da Vila Euclides, palco de discursos exaltados.

Quando deplora a polarização parece esquecido do “nós contra eles”, que vociferou palanques afora. Parece acreditar que os “eles” são desmemoriados. Parece imaginar-se merecedor da “Medalha do Pacificador” ou, quem sabe, do Nobel da Paz. Bem, tudo é possível depois que Obama o conquistou e Bob Dylan ganhou o Nobel de Literatura. Distribuir honrarias a rodo as desprestigiam, sobretudo quando aquinhoam méritos parcos, obscuros ou mesmo inexistentes.

Nem tudo, entretanto, tem início, meio e fim na figura descolada, no matreiro, no hipócrita que condena a miséria, mas quer comprar um avião presidencial novo. Nesta peça, ele é o ator principal mas, por mais que improvise, o texto não é dele.

A decepção com a justiça é que radicaliza o embate. O sepultamento da operação lava jato foi o balde de água mais gelada que poderiam ter lançado no povo brasileiro, que chegou a acreditar que finalmente chegara a hora para os bandidos de colarinho branco. A ponta do tapete fora erguida e a condenação da sujeira descoberta encheu de esperança cada um. Enfim os ladrões da pátria conheceriam a justiça e pagariam seus crimes no cárcere.

Anos se passaram. Por ora um governador, condenado a centenas de anos de prisão, conhecido pela farra dos guardanapos em Paris, encontra-se solto e dá dicas de filmes, diretamente de uma piscina. É surreal. O político preso por esconder malas com milhões em espécie cumpre pena em liberdade condicional. É um deboche. O deputado que ficou famoso quando seu assessor foi flagrado com algo como cem mil dólares escondidos na cueca é hoje líder do governo na Câmara. É a impunidade no alto escalão.

Nada, porém, que se compare à soltura de um sujeito condenado nas três instâncias para ungi-lo na presidência. Não se trata de preferência partidária. Pouco importa se falamos de esquerda ou de direita. É a impunidade que escandaliza e a partir de então é estúpido pensar que as pessoas engolirão sapos prazerosamente. E que ainda pedirão repeteco.

O que radicaliza ainda mais é a postura dos que defendem estes ou aqueles, ainda que saibam que não passam de mega hipócritas. Senão ladravazes. Como devotam aos fins utópicos uma fé cega, justificam quaisquer meios. Como celebrar um título mesmo sabendo que o gol foi anotado com a mão. O que importa se somos campeões? Afinal, faixa no peito é o que conta.

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Em “O sonho de um homem ridículo”, este decidira suicidar-se. Colocara diante de si um revólver, com o qual estouraria os miolos. Sentado em uma poltrona, num quarto miserável, cai no sono e experimenta uma vida após a morte.

É conduzido a uma cópia da Terra na qual o Paraíso encontra-se instalado e o sonho parece ter a duração de milhares de anos. Recorda-se que, por ter cometido o pecado original, devastou “aquela Terra inocente e feliz”:

“Aqueles homens aprenderam a mentir, tomaram gosto à mentira e reconheceram como eram belos. Oh!, pode ser que, a princípio, o fizessem inocentemente, por puro jogo, por diversão, que apenas se tratasse de um bacilo; mas este átomo de mentira enraizou-se nos seus corações e foi do seu agrado. Não tardou que dele derivassem a voluptuosidade, e esta voluptuosidade engendrou a inveja, e esta, a crueldade. Oh!, não sei, não me lembro já como, mas não tardou que se vertesse a primeira gota de sangue; a princípio apenas sentiram espanto; mas depois assustaram-se e começaram a afastar-se uns dos outros. Vieram as censuras e as incriminações. Conheceram a vergonha e erigiram-na em virtude. Surgiu o conceito da honra e cada bando se uniu à sombra da sua bandeira. Começaram a torturar os animais, e os animais afastaram-se deles, foram ocultar-se nos bosques e tornaram-se seus inimigos. Iniciou-se a luta pela separação, pela particularização, pela personalidade, pelo “teu” e pelo “meu”. Começaram a falar várias línguas. Conheceram a dor e tomaram-lhe o gosto; ansiavam pelo sofrimento e diziam que a verdade só se comprava pelo preço do martírio. Depois surgiu a ciência. Como se tinham tornado maus, deram em falar de fraternidade e de humanidade, e compreendiam estas idéias. Como se tinham tornado criminosos, inventaram a justiça e redigiram códigos para a encerrarem neles, e, para assegurar o cumprimento desses códigos, ergueram a guilhotina.”

Lendo este trecho do conto de Dostoievski é inevitável lembrar que o criador da guilhotina e os radicais acabaram vitimados por aquela máquina de morte, símbolo da polarização. Porque desconhecia o perdão, demonizava os condenados e os execrava em praça pública. Pregar a reconciliação e o amor enquanto mantem o patíbulo e remunera os verdugos é um capo lavoro da hipocrisia.

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Quando se fala de imigração, uma maneira de caracterizar o estilo de cada povo é dizer que as primeiras ações definiam sua procedência: os alemães constituíam uma escola, os portugueses instalavam um armazém e os italianos erguiam uma igreja.

Em plena Semana Santa, numa cidade que se orgulha de suas raízes italianas, no ano em que se comemora o sesquicentenário de sua chegada massiva no Brasil, ao despedir-me da moça que me atendera, desejei Feliz Páscoa. Respondeu que não dava bola para a Páscoa … Por certo não consegui esconder meu estranhamento e segundos depois lembrei a ela que a Ressurreição é o ponto mais alto da cristandade, sem a qual nossa fé seria vazia.

Quando menino as mulheres sentavam à esquerda na Missa, os homens à direita e muitas expressões eram em latim. Na Semana Santa éramos exortados a agir de forma mais respeitosa e na Sexta-Feira nem música escutávamos. Ao cabo de poucas décadas a coisa esboroou. Não se trata de saudosismo, mas de percepção de que nossa identidade ruiu junto.

Recristianizar é tarefa ingente se desejamos aos pósteros a compreensão do que Paulo celebrou: “Onde está, ó morte, a sua vitória? Onde está, ó morte, o seu aguilhão? (1 Co 15.55)”. Ou regredirão para o paganismo.

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