De repente o mundo volta seus olhos para Roma. Morreu o Papa e boa parte da mídia o exalta como um líder liberal, que promoveu mudanças na Igreja e aproximou a instituição dos menos favorecidos. A ex-presidente do Brasil, famosa também por sua dificuldade em se manifestar sem dizer sandices, ao chegar no Vaticano para o funeral disse que Francisco se preocupava com os pobres. Como se os ouros se lixassem para os menos favorecidos …
Outros o louvam porque foi o Papa da inclusão, um argentino bem humorado, que não condenava quase nada e agiu em favor do meio ambiente, preocupado que estava com o aquecimento global e as correntes migratórias, decorrentes da fome e dos conflitos mundo afora.
Sem desrespeitar o líder máximo da Igreja que seguirei até meus últimos dias, enquanto Vigário de Cristo, vou na contracorrente. Admirador de João Paulo II e de Bento XVI, tenho Bergoglio na conta de um Papa decepcionante. No início de seu papado achei que seria um líder com elevadas qualidades. Quis o tempo, entretanto, que passasse a vê-lo com apreensão. Suas manifestações políticas, altamente inadequadas, se tornaram um tormento para quem defende a Igreja como herança do Cristo.
Entrevistas ao vivo não são recomendáveis para aquele que veste a mitra e porta o báculo com a cruz na parte superior. João Paulo II, talvez o mais midiático dos Papas, concedeu extensa entrevista a Vittorio Messori que foi publicada sob o título “Cruzando o limiar da esperança”. Já “Não tenham medo” resultou de conversas com o jornalista francês Andre Frossard. Livros são revisados antes de impressos. Também em viagens internacionais o Papa polonês respondeu perguntas para os jornalistas que estavam no mesmo vôo, mas sempre falando pouco, sem dar nome aos bois.
Bergoglio, em entrevista concedida à rede argentina C5N em 2023, disse que o presidente brasileiro fora condenado sem provas. Também afirmou que a presidente, que sofrera impeachment, tinha as mãos limpas. Ou seja, acusou de uma só sentada o judiciário brasileiro de praticar lawfare, uma perseguição com a lei tendenciosamente utilizada debaixo do braço, e o legislativo de depor uma presidente de forma injusta. Tais incursões não cabem a um Papa.
Cabe ao Vigário de Cristo, entretanto, rejeitar correntes ideológicas contrárias à doutrina da Igreja. João Paulo II, ao chegar na Nicarágua, repreendeu, dedo em riste, Ernesto Cardenal, tido como o poeta da teologia da libertação. Em pregação naquele país, João Paulo II passou por momento difícil. A platéia gritava por paz. O Papa escutou por alguns instantes e depois gritou que a “primeira que quer a paz é a Igreja!”. O infame ditador Daniel Ortega desejava a legitimação, que o líder máximo da Igreja não concedeu.
Quando Evo Morales afronta o pensamento da Igreja e oferece um simulacro de cruz, com uma foice e um martelo, Bergoglio a acolhe, quando deveria tê-la rejeitado, ainda que não bruscamente. Afinal sabemos todos o quanto sofreu e sofre a Igreja debaixo de regimes comunistas. Tudo sem falarmos sobre o ritual da Pachamama no Vaticano, como um estímulo ao paganismo.
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Quando a maionese começa a desandar, o Magistério da Igreja deve prover documentos que evitem ou corrijam erros. São inúmeras as instruções da Congregação para a Doutrina da Fé e as encíclicas constituem um extraordinário tesouro também civilizacional.
Joseph Ratzinger, antes de se tornar Papa, assinou “Libertatis nuntius”, que em sua primeira página antecipa sua essência: “A libertação é antes de tudo e principalmente libertação da escravidão radical do pecado. Seu objetivo e seu termo é a liberdade dos filhos de Deus, que é dom da graça. Ela exige, por uma consequência lógica, a libertação de muitas outras escravidões, de ordem cultural, económica, social e política, que, em última análise, derivam todas do pecado e constituem outros tantos obstáculos que impedem os homens de viver segundo a própria dignidade. Discernir com clareza o que é fundamental e o que faz parte das consequências, é condição indispensável para uma reflexão teológica sobre a libertação”.
Quem pregaria contra a libertação? Contudo, libertações sem transcendência não passam de ideologias.
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A missão da Igreja é a salvação das almas e não a defesa de agendas ou a promoção de ideologias. Por estes dias escuta-se em cada esquina palpites acerca da escolha do próximo Papa. No mais das vezes baseados na dicotomia conservador versus progressista. Seria cômico, não fosse raso demais.
Pior ainda é saber que muitos sacerdotes e bispos mostram comprometimento e até entusiasmo pelas idéias ditas progressistas, a pregar que a Igreja precisa render-se à modernidade. Encorajados por autoridades da própria Igreja, seus inimigos martelam contra dogmas, atacam com dentes a ranger e fomentam a discórdia.
Cabe ao próximo Pontífice recolocar as coisas no seu devido lugar, como fez Pio IX no século XIX. Preocupado com as ameaças do indiferentismo, naturalismo, panteísmo, socialismo, comunismo e certas sociedades mundanas, Pio IX publicou o Syllabus, com oitenta temas para reflexão.
Cada tema era, na verdade, uma provocação. O primeiro deu o tom:
“Não existe Divindade alguma suprema e sapientíssima e providentíssima, distinta desta universalidade das coisas, e Deus é o mesmo que a natureza das coisas, sujeito, portanto, a mudanças, e Deus, na realidade, se forma no homem e no mundo, e todas as coisas são Deus e tem a mesma substância de Deus; Deus é uma e a mesma coisa que o mundo, e, portanto, o espirito é o mesmo que a matéria, a necessidade que a liberdade, a verdade que a falsidade o bem que o mal, e a justiça que a injustiça.”
O sétimo tema é uma pérola:
“As profecias e milagres expostos e narrados nas Sagradas Letras são comentários de poetas; os mistérios da Fé Cristã, uma recompilação de investigações filosóficas; tanto o Velho como o Novo Testamento contêm invenções fabulosas, e o mesmo Jesus Cristo é uma ficção mítica.”
Para não abusar da paciência de leitores, encerro com o o último tema:
“O Pontífice Romano pode e deve conciliar-se e transigir com o progresso, com o Liberalismo e com a Civilização moderna.”
Qualquer semelhança entre o que escutamos hoje e os temas da Syllabus, carta encíclica que veio a lume em 1864, não é mera coincidência. Porque os erros fundamentais seguem os mesmos.