Num tempo em que comprar os ingredientes para produzir pólvora era permitido, adquiri numa farmácia dois deles e os combinei com carvão moído. Misturei tudo na proporção recomendada, testei se o resultado era o esperado e, ato contínuo, armazenei o material em vidros …
O propósito era lançar um foguete. Com a ajuda de meu pai, encomendamos de um funileiro uma peça que tinha um cone comprido na extremidade, um trecho tubular com diâmetro da ordem de três centímetros e três extensões inferiores a título de pés. A aparência não decepcionava. Restava preencher o foguete com a pólvora, o que fiz segundo preceitos que encontrei sei lá onde.
Onde lançar o foguete? Decidimos que seria nos trilhos da linha férrea, que passavam ao lado da casa da avó paterna, os mesmos trilhos pelos quais passaram tropas borgistas na revolução de 23. Lembro de minha vó revelando a apreensão que viveram naqueles dias incertos. Falou isto perto de uma janela voltada para os trilhos, entre uma pia e um fogão a lenha. Os postigos estavam abertos e um trem iluminado passara instantes antes, instigando a memória da avó septuagenária e a imaginação do menino: homens armados, revolução, trem noturno, … Tudo era combustível.
Num sábado enfim preparamos o lançamento. Os adultos ajudaram nos procedimentos mínimos de segurança. Hoje os vejo como muito abaixo do mínimo responsável … Fizemos um caminho de pólvora e alguém riscou o fósforo. A cerca de uns vinte metros acompanhei o rastilho queimando e então o poderoso jato que aquele protótipo despejou no solo, sem que o foguete se erguesse um milímetro sequer …
Foi um fracasso com platéia, daqueles que educam mais que o sucesso. O menino metido a Von Braun da vila não tinha a menor idéia acerca de compressão, resistência de materiais, bocal, empuxo e propulsão. Não havia como dar certo. Eu tinha dez anos.
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Ontem visitamos o Centro Espacial John Kennedy, na Flórida, para conhecer de perto a história da corrida espacial depois do lançamento do Sputnik, da viagem de Laika ao espaço e do pioneirismo de Gagarin, bem como todo o extraordinário desenvolvimento tecnológico das conquistas espaciais.
Laika foi ao espaço em 1957, semanas depois do lançamento do Sputnik. Eu nascera meses antes. Laika nunca retornou. O Sputnik emitiu sinais de rádio por três semanas, caindo com suas quatro antenas dois meses depois da partida. Tais proezas colocaram os Estados Unidos em alerta máximo. O termômetro do medo explodiria em abril de 1961, quando Gagarin orbitou por quase duas horas na Vostok I antes de retornar. Foi ejetado da espaçonave a sete mil metros de altitude, chegando ao solo com seu paraquedas.
Os Estados Unidos lançaram seu primeiro satélite, o Explorer I, e o chimpanzé Ham em janeiro de 1961. Ham experimentou um vôo suborbital, retornou à Terra e viveu por mais duas décadas. O Explorer I gerou dados científicos e orbitou até 1970. Os norte-americanos reconheceram que estavam muito atrás na corrida espacial. Kennedy fez, então, em setembro de 1962, um discurso memorável, digno do estadista maiúsculo que foi:
“Escolhemos ir à Lua. Escolhemos ir à Lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque sejam fáceis, mas porque são difíceis, porque esse objetivo servirá para organizar e mensurar o melhor de nossas energias e habilidades, porque esse desafio é algo que estamos dispostos a aceitar, algo que não estamos dispostos a adiar, e algo que pretendemos vencer, e os outros também.”
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O programa espacial da Nasa teve fracassos e tragédias em sua caminhada. Em janeiro de 1967, durante testes da Apollo I, os três astronautas da missão morreram na cápsula por conta do fogo causado por um curto-circuito elétrico. Não conseguiram evadir-se porque abrir a porta era muito demorado. O resto das missões Apollo, quase todos da minha geração devem lembrar.
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Alguns anos depois do insucesso nos trilhos, testei pequenos foguetes com tubetes de papelão usando a pólvora que restara. Voaram de uma calçada a outra. Se não era um grande sucesso, redimia um pouco o passado.
Afinal, se até a NASA amargou fracassos e tragédias, o menino de dez anos que me acena do passado pode, agora, pegar leve consigo mesmo.